É possível ser um grande missionário sem jamais sair do convento?

Santa Teresinha do Menino Jesus foi honrada pelos Papas como padroeira das Missões, entretanto, nunca saíra Carmelo, o que parece uma contradição… Porém, se conhecermos o que é a comunhão dos santos, veremos que este título foi, na verdade, um autêntico ato de justiça.

Dizia esta santa em sua autobiografia que desejava ser ao mesmo tempo apóstolo, mártir, cruzado, sacerdote, catequista, religiosa de clausura, ajudar os doentes… queria ser tudo pelo benefício das almas. Esta vontade de fazer bem a todos, não poderia ser aplicada de forma natural, mas realizada pelos meios sobrenaturais. Em determinado momento de sua vida, instruída acerca da doutrina da comunhão dos santos, compreendeu que seu papel na Igreja seria como que o “coração”, que influencia todos os membros pelo influxo sanguíneo do amor a Deus.

“Creio na comunhão dos santos” é o que rezamos todos os domingos na Missa ou ao começarmos a recitação do terço. A comunhão dos santos é um dogma de Fé explicitado desde o primeiro século do cristianismo. Permite, por exemplo, que ofereçamos auxílios espirituais aos cristãos que estão em outros países, a milhares de quilômetros de distância. A doutrina explica que os membros da Igreja, por toda a terra, embora pouco ou nada se conhecendo, sobretudo à distância, estão unidos por um vínculo espiritual que transpõe as distâncias e mesmo os tempos. Pela comunhão dos santos, estamos unidos de tal maneira que nossos atos e intenções podem influenciar na fidelidade ou na infidelidade de nossos irmãos na Fé no presente, no passado e no futuro.

Pela comunhão dos santos, um ato de virtude, de abnegação ou de generosidade, pode tornar-se auxílio para um jovem que se precipita nas trilhas do pecado, assim como um ato pecaminoso pode ter consequências nos membros e, de certa forma, no corpo místico.
Todavia, a comunhão dos santos não se aplica somente aos cristãos desta terra, membros da Igreja Militante, pois também fazem parte da Igreja todos aqueles que já estão salvos no paraíso, aqueles que constituem a Igreja Triunfante. Pela comunhão dos santos, está explícito a ajuda que podemos receber daqueles que já morreram e foram salvos, e gozam da glória divina. Eles podem interceder por nós, pois da mesma forma que uma pessoa que ama a Jesus e Maria quer prestar os benefícios materiais e espirituais a seus irmãos na Fé, também aquelas almas que estão no Céu querem ajudar as pessoas na terra. Como que estão ávidas de que peçamos sua intercessão, para assim, continuar no Céu a ajudar aqueles que peregrinam na terra[1]. Por esta razão, a Igreja crê e confessa esta relação com os céus na devoção e intercessão do santos. Assim, temos também nós a esperança de, quando salvos, podermos auxiliar nossos parentes e amigos nas sendas do bem e da verdade. A raiz da comunhão dos santos está em que a virtude da caridade “é bondosa e não interesseira” (Cf. 1Cor 13, 4-5). Já os primeiros cristãos dispunham de todos os bens espirituais e materiais, de “tudo em comum” (At 4,32). A comunhão dos santos também tem um aspecto material, por onde os cristãos devem estar dispostos a ajudar o próximo através dos próprios bens materiais colocando-os ao serviço dos mais necessitados.

Além disso, a comunhão dos santos se aplica àqueles que sofrem os calores das benditas chamas do purgatório, pois estas almas esperam ser purificadas de suas faltas e entrar no convívio eterno com Deus e Maria Santíssima. Pela comunhão dos santos podemos ajudá-las a se purificar com mais presteza, e assim unirem-se aos santos do Céu.

Qual o melhor meio de beneficiar as almas pela comunhão dos santos?

A comunhão dos santos é o meio mais poderoso de apostolado. Por mais que sintamos não ter dons para fazer bem às almas de nosso próximo, se vivermos uma vida santa e de amor fervoroso a Deus podemos prestar um valioso auxílio aos cristãos do mundo inteiro, pois pela prática da virtude conserva-se o estado de graça e o cumprimento dos mandamentos divinos. A prática da virtude nos afasta do pecado fazendo com que não sejamos motivo de retração da graça divina para a Igreja Universal, ou para determinado conjunto de fiéis, um país, uma cidade, um bairro, etc. Ao contrário, a prática da virtude faz com que sejamos verdadeiros “pára-raios” da graça de Deus, beneficiando assim toda a Igreja Universal.

A comunhão dos santos é o meio mais poderoso de apostolado.

Entretanto, existe também um modo ativo de auxiliar nossos irmãos na Fé: a recepção dos sacramentos, especialmente da Eucaristia. De fato, a comunhão dos santos não é somente a união entre os santos, mas também, a comunhão das coisas santas. Em latim, communio sanctorum tem esse duplo sentido, “comunhão dos santos” ou “das coisas santas”. Por isso, a Liturgia, usando deste jogo de palavras latinas, ensina: Sancta Sanctis, ou seja, “as coisas santas aos santos”.
Desta forma podemos oferecer uma oração a Deus, pelas almas mais tentadas no mundo, pelos cristãos que são perseguidos por causa de sua Fé, para que sejam mais santos e fiéis à vocação que Deus lhes chamou, oferecendo assim nossas súplicas pelo Clero e pelo Papa.
Agrada também a Deus oferecer um sacrifício, um sofrimento corporal ou moral que estejamos na contingência de suportar, ou ainda uma privação voluntária de algum prazer legítimo, como comer algo delicioso ou descansar por um tempo maior. Todavia, ainda existe um ato mais agradável, e mais sublime: receber a sagrada hóstia. Oferecer explicita e fervorosamente as intenções da comunhão eucarística pelos cristãos no mundo, e pelas almas do purgatório, faz com que usemos ativamente deste meio de caridade fraterna[2]. A oração e os méritos adquiridos por nós na Eucaristia podem beneficiar o mundo inteiro, por causa, do “fundo comum”, de todos os méritos dos santos, da Santíssima Virgem e da Paixão de Cristo na Cruz. Este fundo comum que atrai as graças de Deus, beneficia todas as almas da terra e do purgatório[3].

Qual é o fundamento Bíblico para a crença na comunhão dos santos?

Este dogma de Fé que o católico reza no credo funda-se em um dos mais belos trechos de São Paulo (1Cor 12), onde o Apóstolo compara a Igreja ao corpo humano: “Assim como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo. […] O corpo não consiste em um só membro, mas em muitos. Se o pé dissesse: Eu não sou a mão; por isso, não sou do corpo, acaso deixaria ele de ser do corpo? […] Há, pois, muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: Eu não preciso de ti; nem a cabeça aos pés: Não necessito de vós. Antes, pelo contrário, os membros do corpo que parecem os mais fracos, são os mais necessários. […] Se um membro sofre, todos os membros padecem com ele; e se um membro é glorificado, todos os outros se congratulam por ele. Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros” (1Cor12, 12-27).

Desde os primórdios da Igreja que os cristãos interpretam esta passagem de São Paulo no sentido da comunhão dos santos[4]. Por isso ensinam os Padres que a “Igreja é a comunhão de todos os santos”[5], do Céu, da terra e do purgatório de todos os recantos do planeta, de todas a línguas e povos.

A comunhão dos santos torna Igreja Universal, por isso, Católica. Quem vive compenetrado deste artigo de Fé, pode fazer maravilhas na ordem da graça, converter povos, auxiliar os santos e os cristãos perseguidos… A Fé na comunhão dos santos põe nas mãos do católico o verdadeiro “timão da história”.

Marcos Eduardo Melo dos Santos




[1] Por isso exclamava Santa Teresinha: “Quero passar o meu céu a fazer o bem sobre a terra”. TERESINHA DO MENINO JESUS. História de uma alma. 24. ed. São Paulo: Paulus, 2005.
[2] Os sacramentos operam a comunhão dos santos. A Eucaristia consuma esta união. S. Th. III, q. 73, a.2c.
[3] Catecismo Romano. Publicado no século XVI.
[4] A caminho do martírio, um discípulo de Santo Inácio de Antioquia, São Policarpo de Esmirna (70-160) disse aos seus irmãos: “Não choreis, que eu vos serei mais útil depois da morte e vos ajudarei mais eficazmente que durante a vida”. In Martyrium sancti Polycarpi 17, 3: SC 10bis. 232 (Funk 1, 336).
[5] São Nicetas de Remesiana (335-414) Instructio ad competentes 5, 3, 23 [Explanatio Symboli, 10]: TPL 1, 119 (PL 52, 871). Koinônia