A celebração do Tríduo Pascal em honra do Cristo Morto (1º dia); sepultado (2º dia) e ressuscitado (3º dia) é o cume do Ano Litúrgico. Para ele convergem todas as outras celebrações. Começando com a Missa In Coena Domini (na Ceia do Senhor), tarde ou início da noite da Quinta-feira Santa, atinge o seu ápice na Vigília Pascal, que no dizer de Santo Agostinho, é a Mãe de todas as Vigílias. A Igreja vigilante e na oração espera o seu esposo que vem vitorioso para libertá-la.
Além dos dados bíblicos, outro documento histórico precioso, que traz para nós a maneira da Comunidade Cristã de Jerusalém celebrar esses santos dias é o Diário da monja espanhola Etérea (ou Egéria), traduzido como Peregrinação de Etérea. Ela trata, sobretudo, da Sexta-feira Santa e Vigília Pascal.
Vejamos cada celebração por partes. A Missa na Ceia do Senhor faz a memória da instituição da Santa Eucaristia e dos sacerdotes da Nova Aliança que confeccionam para nós o Corpo e Sangue de Cristo até que Ele volte. Nessa celebração, faz-se, ainda, o memorial do mandamento do amor; “… Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os atéo fim…” (Cf. Jo 15,1ss). Esta Missa é festiva com o canto do Glória a Deus nas alturas e toque dos sinos que ficarão silenciosos até o Glória da Vigília Pascal. A primeira leitura é tirada do livro do Êxodo (cap. 12), a celebração da Páscoa Judaica; a segunda é o testemunho de Paulo (1 Cor 11) – narrativa mais antiga da instituição da Eucaristia. O Evangelho traz a cena do lava-pés, em que o Mestre e Senhor dá o exemplo de rebaixamento e nos ensina a lavar os pés uns dos outros. O serviço brota do mistério da Eucaristia. Nesse dia o canto de entrada é sempre a citação da carta de São Paulo aos Gálatas que nos introduz nos mistérios que vamos celebrar durante o Tríduo Sacro; “Nós devemos gloriar-nos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é nossa salvação, nossa vida, nossa esperança de ressurreição, por ela fomos salvos e libertos”.
O primeiro dia do Tríduo Pascal é a Sexta-feira Santa. Aqui se faz a memória histórica de um acontecimento verídico. Jesus de Nazaré, nosso Redentor, é julgado e condenado pelo poder humano. Por ser um dia sem Eucaristia, o altar fica descoberto, como também, sem nenhuma decoração no presbitério. A celebração se inicia com a prostração silenciosa dos celebrantes, pois diante da morte do Senhor não temos palavras a não ser contemplarmos, prostrados e calados, esse seu gesto de amor supremo. Após a Oração do Dia que inicia a Liturgia da Palavra temos a primeira leitura tirada do Profeta Isaías, o canto do Servo de Javé: “… tão desfigurado estava o seu rosto que não parecia mais humano… na verdade eram as nossas culpas que Ele carregava… em suaschagas fomos curados…” A segunda leitura vem da carta aos hebreus e deseja enfatizar que Jesus Cristo, com sua morte, entrou de uma vez por todas no santuário dos céus, no Santo dos santos e, agora, é nosso intercessor, por isso, vítima e eterno sacerdote. Após as Orações Universais que pedem pela Igreja, o papa, o bispo, o clero, poderes públicos, pelos Judeus, pelos que não creem em Cristo, pelos que não creem em Deus, pelos catecúmenos, enfermos, acontece o gesto de Adoração da Santa Cruz, ou seja, adoramos o Cristo morto ao beijar, reverentemente, o Santo Madeiro. O celebrante principal ao descobri-la, pausadamente, canta três vezes em tom cada vez mais alto: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação domundo”. O povo responde: “Vinde, vinde adoremos”. Para esse momento, o canto apropriado deverá ser sempre as Lamentações do Profeta Jeremias, também, chamadas de impropérios, com tantas melodias: “Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós….” Poderá ter outros cantos alusivos ao mistério da cruz. Depois desse momento, segue-se a Comunhão Eucarística, benção sobre o povo e saída silenciosa.
O segundo dia é o Sábado Santo (memória da sepultura de Cristo), também um dia sem Eucaristia (o altar permanece desnudo). Depois da aflição da Sexta-feira Santa por termos feito a atualização da morte do Salvador, agora, neste dia, estamos certos de sua vitória, como Ele mesmo anunciou. É um dia, portanto, de esperança, pois o Senhor desceu à mansão dos mortos para libertar nossos primeiro pais cativos das garras do demônio, como também, todos os justos. As antífonas da Liturgia das Horas nos preparam muito bem para a Vigília Pascal: “Hoje estou em grande aflição, amanhã, porém, quebrarei as algemas”. E, ainda: “Sentinela em que ponto está a noite, sentinela em que ponto está a noite. A luz surgirá das trevas e esta noite resplandecerá como o dia”.
A Vigília Pascal, segundo os atuais livros litúrgicos, deverá começar após o pôr do sol do sábado e deverá acabar antes da aurora do domingo, portanto, desenrolando-se durante a noite. Divide-se em quatro partes: Liturgia da Luz com a bênção do fogo, preparação e procissão do Círio com canto da proclamação da Páscoa: “Exulte os céus e os anjos triunfantes, mensageiros de Deus desçam cantando, façam soar trombetas fulgurantes, a vitória de um Rei anunciando…”. Em seguida, temos uma longa Liturgia da Palavra, com lições do Antigo e do Novo Testamento. Mostrando todo o projeto salvífico de Deus desde a criação, passando pela Páscoa Judaica (episódio do Mar Vermelho) até chegar ao anúncio da Ressurreição do Senhor, antecedido pelo alegre canto do aleluia que não foi entoado na Quaresma. Volta-se a cantar o canto do Glória a Deus nas alturas com o toque dos sinos. Após a homilia procede-se à Liturgia Batismal: entoa-se a Ladainha de Todos os Santos, bênção da água, renovação das promessas do Batismo e aspersão. Essa é a noite por excelência para se batizar os adultos. A quarta parte é a Liturgia Eucarística. O altar é, novamente, preparado para o Banquete do Cordeiro, que se dá à sua Igreja, imolado e ressuscitado. Para a despedida se acrescentam dois Aleluias.
O Domingo da Ressurreição é o terceiro dia do Tríduo Pascal e se celebra, alegremente, a vitória do Cristo sobre a morte. Missa festiva, com cantos próprios da Páscoa. Nesse dia a Sequência de Páscoa é obrigatória: “Cantai, cristãos, afinal. Salve, ó Vítima Pascal. Cordeiro inocente, o Cristo, abriu-nos do Pai o aprisco…”. Entoa-se após a segunda leitura e antes do canto de aclamação ao Evangelho. Durante a Oitava de Páscoa, a Sequência é facultativa, mas a despedida com dois Aleluias é obrigatória até o Segundo Domingo da Páscoa ou Domingo da Divina Misericórdia.
Com as Segundas Vésperas do Domingo de Páscoa acaba o Tríduo Pascal e inicia-se o Tempo Pascal com duração de cinquenta dias, ou seja, sete semanas. O oitavo domingo é sempre o dia de Pentecostes que conclui este tempo, pois com o dom do Espírito Santo poderemos dizer que Jesus Cristo é o Senhor. Na segunda-feira seguinte, recomeça-se o Tempo Comum.
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Dom Bruno Carneiro Lira, osb – Monge beneditino e sacerdote da Arquidiocese de Olinda e Recife. Capelão das Irmãs Doroteias de Olinda e membro da Comissão Arquidiocesana de Pastoral para a Liturgia