Queridos irmãos e irmãs,
Presbíteros, Diáconos, Religiosos/as, Seminaristas, Leigos/as.
Aproveito a conclusão do retiro anual do clero da Arquidiocese de Olinda e Recife, no Centro de Pastoral da Diocese do Crato, Igreja marcada pelas constantes romarias formadas, inclusive, por muitos dos nossos fieis, admiradores do Pe. Cícero, para vos dirigir esta carta pastoral. Aqui nos encontramos no “deserto”, fazendo também uma experiência de romaria para, em ambiente de oração e de encontro com Deus, nesta 1ª semana da quaresma, refletir nosso ministério junto ao povo que Deus nos confiou. Para isso, contamos com a ajuda do nosso querido irmão Dom Fernando Panico – Bispo desta Igreja Particular que nos acolhe.
“Eis agora o tempo favorável, este é o dia da salvação” (2 Cor 6,2)
Esta palavra que a Igreja nos fez ouvir na celebração da Quarta-feira de Cinzas nos oferece uma boa motivação, para vivermos a Quaresma como tempo novo de renovação de vida e de nossas relações comunitárias. Em Recife e Olinda, Carnaval é sempre um período intenso de festejos e apresentações artísticas. Todos sabemos que, para ser bom e pleno de êxitos, o Carnaval tem de ser cuidadosamente preparado durante vários meses. Na primeira carta aos cristãos de Corinto, Paulo escreve: “Os atletas se abstêm de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível” (1Cor 9,25). Por isso, também devemos nos preparar, dominar nosso corpo e nos exercitar, pois nossa taça é eterna. Possivelmente, se Paulo vivesse em Olinda ou no Recife de hoje, diria: “Assim como os carnavalescos ensaiam e se submetem a um longo treinamento e ensaios para conquistar um troféu passageiro, empenhemo-nos mais profundamente em ganhar uma alegria que não tem fim”.
De fato, há pessoas que brincam o Carnaval, mas já na terça-feira à noite estão sofrendo porque vêem se esgotar o período carnavalesco. Algumas músicas antigas de Carnaval chegavam a lamentar “a quarta-feira ingrata que chega tão depressa só pra contrariar”. As pessoas desejariam uma festa que não passasse nunca.
De fato, vivemos em uma sociedade na qual, segundo previsão da Organização Mundial da Saúde (OMS), “No mundo industrializado, até 2020, uma das maiores causas de doenças será a depressão” (Cf. Agenda Latinoamericana, 2011, p. 40). Vivemos em tempos difíceis, tanto pelas frequentes e cada vez mais graves catástrofes naturais e humanas que atingem nosso país e outras regiões do mundo, como aconteceu recentemente no Japão, mas também por um mal interior ao ser humano.
Diante disso, mais do que nunca, uma tarefa importante das Igrejas é não tanto pretender dar respostas definitivas a questões que atingem a todos nós, mas colocar-se afetuosamente junto com as pessoas na disposição de dialogar e na partilha da nossa experiência espiritual. Assim, podemos reencontrar juntos um sentido novo para o nosso caminhar neste mundo, para a relação de cada um consigo mesmo, com os outros e com todos os seres com os quais formamos uma verdadeira “comunidade da vida”. No Evangelho de Mateus que estamos meditando neste Ano A, a primeira palavra de Jesus ao povo é o discurso da montanha que começa pelas bem-aventuranças, ou seja, a proclamação de uma bênção de alegria e felicidade para todas as pessoas que sofrem e estão por baixo: “Felizes os pobres no espírito, os que choram e os que sofrem perseguição por causa da justiça”(Mt 5). Não são felizes pelo fato de sofrerem, mas porque Deus os ama com amor privilegiado e vem transformar a sua sorte.
Por isso, neste ano em que a nossa Igreja de Olinda e Recife está completando seus cem anos como arquidiocese, gostaria de convidá-los/las como irmão de vocês e zelador de um tesouro que Deus colocou à nossa disposição, para celebrarmos, neste ano, a Páscoa, como especial festa de renovação interior, alegria e graça para todos nós.
1 – Quaresma como iniciação no clima e no processo pascal
Na sua sabedoria de mãe, a Igreja criou o tempo da Quaresma para nos preparar adequadamente para a celebração mais profunda da Páscoa. Espiritualmente, a Quaresma não é apenas um tempo para penitências especiais que fazemos durante 40 dias e depois forçosamente somos tentados a deixar. Isso seria como certos regimes alimentares que as pessoas se impõem para emagrecer e como não suportam por muito tempo aquele rigor, depois de algumas semanas o deixam e não somente não conseguem o resultado desejado como chegam a comprometer a saúde. Na Quaresma, somos convidados a nos centrar em mudanças mais profundas. O mais importante é olhar no nosso modo atual de viver tudo aquilo que anda precisando de uma profunda renovação interior. Se você se abrir verdadeira e profundamente à Palavra de Deus, ela penetrará até mesmo em regiões e zonas ocultas do seu ser que até aqui ainda não tinha conseguido tocar. E você se tornará uma pessoa mais sensível e aberta à solidariedade e à comunhão com toda a criação.
Ninguém se renova isolado. É à medida que nos abrimos à solidariedade fraterna e nos sentimos participando do caminho comum que somos envolvidos pelo mesmo Espírito. Nesta Quaresma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos convida a ligarmos “Fraternidade e Vida no Planeta”. Pela 47ª vez, a Campanha da Fraternidade procura vincular o tempo da preparação da Páscoa a um desafio da vida atual com o objetivo de nos comprometer para uma Páscoa de mais vida e liberdade para todos. Nos últimos anos, o nosso Estado de Pernambuco e especificamente a Região Metropolitana do Recife tem vivido um grande impulso econômico. Entretanto, estes investimentos no setor industrial, tecnológico e turístico precisam garantir a proteção das belezas naturais que nos rodeiam, a sustentabilidade da vida e maior equilíbrio social para todo o povo. Qualquer “Plano de Aceleração do Crescimento” (PAC) tem de se basear no cuidado com os mais frágeis, com a natureza e com a qualidade de vida que devemos assegurar às futuras gerações. Só assim teremos justiça econômica, social e cósmica”.
Convido os padres, religiosas/os, seminaristas e leigos/as a aprofundar nesta Quaresma a dimensão ecológica da nossa fé e espiritualidade para realmente transformar nossa cultura habitual, ou seja, o nosso modo de lidar com a Terra, com a água, com os animais e toda a natureza. Nós fomos educados a contemplar a Deus presente e atuante na história. Devemos, agora, não deixar esta dimensão fundamental da fé, mas observá-la com a contemplação da presença divina em nós mesmos, em nossos irmãos e irmãs e em cada elemento do universo. Assim, de fato, poderemos com mais sinceridade proclamar em cada Missa: “Os céus e a terra estão cheios da vossa glória”, isto é, dos sinais visíveis da presença divina no meio de nós”.
2 – Que esta nossa Páscoa deixe frutos permanentes
Esta proposta parece óbvia, mas não é. Se ficarmos somente nas celebrações quaresmais e da Semana Santa que são belas e profundas, mas longas e exigentes em termos de preparação e execução, corremos o risco de chegar à festa da Páscoa cansados e como se fosse fim de festa.
Convido os irmãos padres e todos/as que coordenam as celebrações a revesti-las sempre de um conteúdo verdadeiramente pascal, no sentido do testemunho da ressurreição de Jesus, como fonte de renovação para nossas vidas e esperança para o mundo. As pessoas que participam de nossas celebrações têm o direito de sair delas verdadeiramente alimentadas em sua fé e reanimadas no seu caminho espiritual. Sem dúvida, isso acontecerá se soubermos viver os ritos, como testemunho de fé e devoção pessoal nossa, assim como expressões de comunhão afetuosa e acolhedora das pessoas. Nada de cerimônias frias e distantes, realizadas de forma mecânica ou simplesmente apressada. Peço especialmente que demos atenção especial ao Tríduo Pascal e mais ainda à Vigília Pascal, que Santo Agostinho chamava “mãe de todas as vigílias da Igreja”. Nesta Páscoa do centenário de nossa arquidiocese, gostaria de recordar uma palavra profética que a 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Medellín, proclamou como pedido e convite: “Que se apresente cada vez mais nítido, na América Latina, o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e corajosamente comprometida com a libertação de toda a humanidade e de cada ser humano por inteiro” (Medellín. 5, 15 a).
Para a nossa arquidiocese, hoje, isso se concretiza e se atualiza na proposta de sermos uma Igreja verdadeiramente missionária e acolhedora de todas as pessoas que nos procuram. E que se constitua como espaço de diálogo de fé e de busca espiritual, mesmo para as pessoas e grupos que se sentem com pensamentos e sensibilidades diferentes. A Páscoa (passagem divina em nossas vidas) nos revela que nenhum de nós é dono da verdade. Somos peregrinos se aceitamos caminhar de luz em luz até a Luz Divina. Colocados como Igreja em uma região tão pobre e carente como a nossa, o importante é que nossa fé se expresse na atitude que São Paulo recorda lhe ter sido recomendado na missão: “o cuidado com os mais empobrecidos” (Cf Gl 2, 10). Celebrar aqui e agora o memorial da morte e da ressurreição de Jesus é atualizar para o nosso povo o amor que Jesus manifestou em cada palavra, gesto e atitude sua até o fato de dar a sua vida pela humanidade. Se conseguirmos realizar isso o melhor possível, sem dúvida, poderemos experimentar a verdade daquilo que, no século IV, dizia São João Crisóstomo: “Mesmo no meio dos sofrimentos, o Cristo ressuscitado faz de nossas vidas uma festa contínua”.
Que Deus os abençoe com esta bênção pascal.
Recife, 17 de março de 2011.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife