No decorrer da história, a Igreja sempre contou com a presença do seu fundador, pois foi Ele mesmo quem afirmou: “Eis que estarei convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28,20). Por sua vez, os Apóstolos nos deram forte testemunho desta presença de Jesus. É no Espírito Santo, que tal presença do Mestre vivifica a Comunidade Cristã, pois Ele é o princípio vital da Igreja.

Nas Escrituras Sagradas, encontramos fortes sinais da presença viva do Senhor entre aqueles que formam a comunidade dos seus discípulos: a cura pela simples sombra do Apóstolo Pedro (At 5,15s); a cura de um paralítico à porta do Templo (At 3,1ss); a cura de enfermidades através de lenços e panos que haviam tocado em Paulo (At 19,11); a ressurreição, através deste mesmo Apóstolo, do jovem Eutico que caiu do terceiro andar durante uma conversa de Paulo (At 20,7ss). Entre tantos outros sinais, está aquele que alimenta quotidianamente a vida da Igreja: a presença do Senhor na Eucaristia, que passou a ser celebrada depois da última ceia.

Desde esse acontecimento, seguindo o mandato de Cristo: “Fazei isto em memória de mim”, a Comunidade dos cristãos sempre celebrou a Eucaristia e, entorno da Palavra, encontra luz para continuar a sua missão. É clara a importância que essa comunidade sempre reservou à Celebração Eucarística; por isso, o Apóstolo Paulo, ao escrever aos cristãos de Corinto, os advertiu seriamente a fim de que se preparassem melhor, antes de se aproximarem do Sagrado Banquete (1Cor 11,17-26).

Faz parte da história da Igreja, também, o fato de esta se preocupar com os doentes que não podiam participar da ceia do Senhor e, por isso, a eles a Igreja enviava um seu ministro que lhes levava o Corpo do Senhor na visível forma de pão.

No intuito de tornar mais claro este ensinamento do Senhor que afirmou: “Eu sou o pão vivo descido do céu; quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51), nos primeiros séculos da Igreja, alguns Santos Padres, mesmo não desenvolvendo um verdadeiro tratado sobre a presença real de Jesus Cristo no sacramento da Eucaristia, procuraram explicar, de um modo catequético ou apologético, aquilo que acontece na “mutação” eucarística, fazendo, então, um paralelismo entre a Eucaristia e a união hipostática com a assunção da humanidade por parte do Verbo Eterno. Isto pode significar que com os “olhos da carne”, só conseguimos ver, em Jesus Cristo, um homem; ao passo que, no seu agir, iluminados pelos “olhos da fé”, conseguimos ver, naquele homem, a Divindade encarnada. Ele é o Emanuel, isto é, Deus conosco; é Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; é Aquele que misteriosamente nos afirma: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).

Já no século IV, São Cirilo de Jerusalém, na sua catequese sobre a Eucaristia, nos ensina que “o próprio Jesus se manifestou dizendo do pão: ‘Isto é o meu corpo’. Quem teria a coragem de duvidar disso? Ele mesmo o declarou: ‘isto é o meu sangue’. Quem colocaria em dúvida dizendo que não é o seu sangue? […] com toda certeza, participamos do corpo e do sangue de Cristo”. Também, São João Crisóstomo, no mesmo século, em uma de suas homilias afirma: “Não é o homem que faz tornar as coisas oferecidas Corpo e Sangue de Cristo, mas é o próprio Cristo que foi crucificado por nós. O sacerdote, figura de Cristo, pronuncia aquelas palavras, mas a eficácia e a graça delas são de Deus. Diz: ‘Isto é o meu corpo’. Esta palavra transforma as coisas oferecidas”. Por sua vez, Santo Ambrósio de Milão, em âmbito catequético, nos ensina aquilo que acontece sobre o altar: “Antes de ser consagrado é pão, mas quando se acrescentam as palavras de Cristo, é corpo de Cristo… E antes das palavras de Cristo, o cálice está cheio de água e vinho; quando, depois das palavras de Cristo, exerceram a sua eficácia ali se forma o sangue de Cristo que redimiu o povo”.

Não esquecendo o pensamento agostiniano, lembramos que o bispo de Hipona nos convida à adoração da carne de Cristo antes mesmo da comunhão quando nos diz: “Nesta carne, o Senhor caminhou aqui, e esta mesma carne nos deu a comer para a salvação; e ninguém come daquela carne sem antes tê-la adorado… de modo que não pecamos adorando-a, mas ao contrário, pecamos se não a adorarmos”.

Além desses Santos Padres da Igreja, poderíamos citar diversos outros testemunhos de fé que a Igreja teve – e permanece tendo – na Eucaristia, durante sua caminhada nos primeiros séculos, como: Irineu de Lião, Orígenes, Gregório Nazianzeno entre outros e, constataríamos que a Comunidade Cristã, desde os seus primeiros passos, foi alimentada por Cristo vivamente presente nas formas de pão e de vinho. Contudo, quando, alguns dos seus filhos chegam seriamente a duvidar desta real presença de Jesus entre nós, o próprio Senhor pode nos dar sinais muito mais fortes ainda, como são os milagres eucarísticos. Um dos mais misteriosos desses acontecimentos é do século VIII: o Milagre Eucarístico de Lanziano, na Itália, que se tornou objeto de diversas pesquisas e variados estudos dos séculos seguintes, inclusive dos anos setenta do século passado. É, porém, com Santo Tomás de Aquino que bem será esclarecida a doutrina que representa a melhor exposição católica, uma vez que a mesma ajudou posteriormente o Magistério, na apresentação da doutrina sobre a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, afirmada, também, no IV concílio de Latrão, em 1215, quando este ensina que “o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeiramente contido no sacramento do altar, sob as espécies do pão e do vinho, visto que o pão é transubstanciado no corpo, e o sangue, no vinho, por poder divino” (DS 802).

Com a instituição da festa do “Corpus Domini”, no dia 11 de agosto de 1264, pelo Papa Urbano IV, mas que já era celebrada em Liège na Bélgica décadas antes, por influências da freira agostiniana Juliana de Mont Cornillon, mas, sobretudo, depois de um milagre eucarístico acontecido junto ao lago de Bolsena na Itália, fica mais clara a fé da Igreja na presença real de Cristo na Eucaristia. Fé esta que será cautelosamente preservada pelo concílio tridentino ao afirmar que o sacramento da Eucaristia contém verdadeira, real e substancialmente o corpo e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com sua alma e divindade, e, portanto, mesmo que as espécies sejam divididas, permanece o Cristo inteiro em cada parte das espécies.

Em nossos dias, nos quais as pessoas estão cada vez mais sedentas de uma profunda experiência pessoal com nosso Senhor Cristo Jesus Cristo, não nos custa lembrar um hino eucarístico que, como Igreja, não nos cansamos de entoar: “Jesus Cristo está realmente, de noite e de dia, presente no altar, esperando que cheguem as almas ferventes, ansiosas, para o visitar. Jesus, nosso Deus, Jesus Redentor: nós te adoramos na eucaristia, Jesus de Maria, Jesus, Rei de amor”. Pois, é crendo nesta presença vivíssima de Jesus Cristo no tão sublime sacramento, que a Igreja preserva o seu antiqüíssimo e salutar costume de conservar, cuidadosamente, a Santíssima Eucaristia num tabernáculo, seja para alimentar espiritualmente os seus filhos debilitados pela enfermidade do corpo e que, por isso, não podem estar presentes à celebração eucarística, seja para receber o devido culto fora da santa missa. De um modo ou de outro, é no silêncio do Sacrário que o Senhor muito nos tem falado, cumulando-nos de abundantes graças, também, nos momentos de tribulações que o século presente nos proporciona.

No momento em que vivemos a solenidade de Corpus Christi, todos nós, cristãos católicos, somos chamados a renovar a nossa fé na presença real de Jesus Cristo no sublime sacramento da Eucaristia e, juntamente com a multidão que o Senhor reúne em torno a Si, prepara a alma, enfeitar as nossas casas, igrejas e ruas e sair em procissão seguindo os passos daquele que está sempre a nos convidar: “Vinde a mim vós todos, que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para vossas almas. Pois meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mt 11,28). Atendendo a este convite, de uma coisa teremos certeza: seremos incansavelmente alimentados e saciados por Ele, que não se cansa de afirmar: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). Sendo assim, não nos resta outra coisa, a não ser seguir os passos do Bom Mestre e os ensinamentos da santa mãe Igreja. Portanto, coloquemo-nos em marcha, Ele não nos deixará sozinhos.

Pe. Cícero Ferreira de Paula
Pároco da Paróquia Santíssimo Sacramento – Boa Vista / Recife