Fratelli Tutti (Todos Irmãos)
Nestes dias, em todo o mundo, um dos assuntos mais recorrentes é a urgência de uma vacina contra o vírus que ameaça a vida da humanidade. Em meio a esta realidade tão dura e dolorosa, o papa Francisco lança a sua terceira carta-encíclica sobre a fraternidade universal e a amizade social. Mais do que uma vacina que apenas impede a proliferação de um vírus, esta palavra do papa indica um caminho novo de salvação e de vida nova para a humanidade. Ela nos propõe dar ao amor uma dimensão universal, acentuar a cultura do encontro e restituir a dignidade à Política como serviço ao bem comum e expressão do amor social.
O papa se inspira em São Francisco de Assis que escreve aos irmãos para propor “uma forma de vida com sabor do Evangelho” (n. 1). Convida a um modo de amar que ultrapassa as fronteiras do espaço e da nossa cultura. Agora, mais uma vez, o papa Francisco nos mostra o jeito de Jesus ao educar a sua comunidade: partir de um olhar sobre a realidade. O primeiro capítulo da encíclica nos convida a olhar as sombras e dores do mundo em que vivemos. O papa lamenta que se tem perdido o sentido da história (n. 13). Denuncia que a sociedade dominante tem aprimorado novas formas de colonização cultural dos povos explorados (n.14) e isso tem gerado novas formas de escravidão e o fortalecimento do racismo e da deterioração da ética. Basta pensar que fomos todos surpreendidos pela pandemia e fomos incapazes de atuar conjuntamente. A tragédia da pandemia revelou a necessidade urgente de reconstruir juntos uma nova irmandade universal.
Por isso, o papa escreve a encíclica a toda a humanidade. No capítulo II, pede licença aos não cristãos e nos dá um profundo comentário da parábola de Jesus sobre o samaritano que socorre o homem ferido na estrada. O próprio título do capítulo “Um estranho no caminho” lembra à humanidade de hoje o drama dos milhões de migrantes, refugiados e pessoas que vivem pelas estradas e pelas ruas das cidades. Para nós do Brasil, é impossível ler este capítulo da encíclica e não lembrar imediatamente da Campanha da Fraternidade deste ano e do seu tema sempre interpelador: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. Neste capítulo, o papa adverte que, atualmente, a sociedade tende a transformar o próximo em sócio. E ele conclui: “a mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para a humanidade” (n. 103).
Os capítulos III e IV desenvolvem a proposta de um mundo aberto e pedem de nós um coração aberto ao mundo inteiro. Do capítulo V ao VIII é a parte relacionada com as propostas concretas e começa por vislumbrar “uma Política melhor”. Ali, o papa propõe uma reforma da ONU para que possa representar não apenas os governos mas os povos da humanidade. E reafirma que a Política deve ser o exercício da caridade social. No último capítulo, o papa propõe que as Religiões se unam ao serviço da fraternidade no mundo. Afirma que, para isso, as religiões devem “concentrar-se no essencial de suas tradições e voltar às fontes da fé” (282). Valoriza os textos sagrados de todas as religiões como inspiradores de espiritualidade (n. 275). Conclui lembrando o testemunho de espirituais cristãos e não cristãos e destaca especialmente o Beato Charles de Foucauld que viveu a fraternidade universal a partir de sua inserção junto aos últimos do mundo. Nós, da arquidiocese de Olinda e Recife, recebemos de Deus a graça de termos contado, durante 21 anos com o testemunho de Dom Helder Camara como arcebispo. Desde o começo do seu ministério, ele sempre se colocou como “cidadão do mundo” e, de fato foi reconhecido como pastor e profeta da paz, da justiça não violenta e da fraternidade universal. O papa conclui a carta com o apelo: “Que Deus inspire este ideal a cada um de nós” (n. 287).
Que Nossa Senhora Aparecida, cuja festa celebramos neste 12 de outubro, nos dê a graça divina de superarmos os pecados do sectarismo, do separatismo, do triunfalismo e nos faça viver esta proposta profética de São Francisco de Assis e do papa Francisco que é realmente o espírito do Evangelho de Jesus.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife