Em artigo assinado, o cardeal Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, recorda que o Papa João Paulo II instituiu a Jornada Mundial da Vida Consagrada há 25 anos para, sobretudo, agradecer ao Senhor o dom da vocação e “promover o conhecimento e a estima pela vida consagrada”. Em união a todos que, “acolhendo o chamado de Deus, respondem com a própria vida, buscando conduzi-la, no modo mais próximo possível a Cristo, imitando-o, como pobre, casto e obediente”, o cardeal encoraja que nesta terça-feira (2) cada consagrado renove “os compromissos da sua consagração e missão, eu como monge cisterciense, o Papa como membro da Companhia de Jesus”.
Cardeal Orani João Tempesta – arcebispo do Rio de Janeiro
Com o intuito de “ajudar a Igreja inteira a valorizar sempre mais o testemunho das pessoas que escolheram seguir a Cristo mais de perto, mediante a prática dos conselhos evangélicos e, ao mesmo tempo, ser para as pessoas consagradas uma ocasião propícia para renovar os propósitos e reavivar os sentimentos, que devem inspirar a sua doação ao Senhor”, o Papa São João Paulo II, no ano de 1997, portanto, há 25 anos, instituiu a Jornada Mundial da Vida Consagrada, recordada a cada ano na Festa da Apresentação do Senhor, 2 de fevereiro.
Aqui no Brasil estamos comemorando essa data com o sugestivo tema: “A Vida Consagrada no coração da Igreja: testemunhas de uma certeza”. E com o lema que resume a vida consagrada: “eu sei em quem acreditei, eu sei em quem pus minha confiança” (2Tm 1,12). No dia 2, terei a ocasião de celebrar na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Gloria, no Largo do Machado, a Eucaristia na intenção de toda a vida consagrada que serve ao povo de Deus nesta cidade com seu testemunho anunciando Jesus Cristo. Nós nos unimos aos cumprimentos da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica que dirigiu a todos os religiosos e religiosas uma belíssima carta de cumprimentos. Nós nos unimos a todos aqueles que levam adiante esse belo testemunho de antiga ou nova tradição.
Em sua primeira mensagem para esse dia, o Papa indicava, com clareza, “o tríplice escopo de tal Dia: em primeiro lugar, ele responde à íntima necessidade de louvar mais solenemente o Senhor, e agradecer-lhe o grande dom da vida consagrada, que enriquece e alegra a Comunidade cristã com a multiplicidade dos seus carismas e com os frutos de edificação de tantas existências, totalmente doadas à causa do Reino. Jamais devemos esquecer que a vida consagrada, antes de ser compromisso do homem, é dom que vem do Alto, iniciativa do Pai, ‘que atrai a Si uma criatura sua, por um amor de predileção e em ordem a uma missão especial’ (Vita Consecrata, n. 17). Esse olhar de predileção toca profundamente o coração de quem é chamado, e que o Espírito Santo impele a se colocar nas pegadas de Cristo, numa forma toda especial de seguimento, mediante a assunção dos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência. Dom estupendo!”.
“Em segundo lugar, esse Dia tem o escopo de promover o conhecimento e a estima pela vida
consagrada, por parte de todo o povo de Deus. Como ressaltou o Concílio (cf. Lumen gentium, n. 44)…, a vida consagrada ‘imita mais de perto, e perpetuamente representa na Igreja a forma de vida que Jesus, supremo consagrado e missionário do Pai para o seu Reino, abraçou e propôs aos discípulos que O seguiam’ (VC, n. 22). Portanto, ela é memória vivente e especial do seu ser de Filho que faz do Pai o seu único Amor — eis a sua virgindade —, que encontra n’Ele a sua exclusiva riqueza — eis a sua pobreza — e tem na vontade do Pai o ‘alimento’ de que se nutre (cf. Jo 4,34) — eis a sua obediência”.
“O terceiro motivo se refere diretamente às pessoas consagradas, convidadas a celebrar em conjunto e solenemente as maravilhas que o Senhor realizou nelas, para descobrir, com um olhar de fé mais lúcido, os raios da divina beleza difundidos pelo Espírito no seu gênero de vida, e tomar consciência mais viva da sua insubstituível missão na Igreja e no mundo. Imersas num mundo muitas vezes agitado e distraído, às vezes absorvidas por tarefas prementes, as pessoas consagradas serão também ajudadas pela celebração desse Dia anual, a voltar às fontes da sua vocação, a fazer um balanço da própria vida, a confirmar o empenho da própria consagração. Assim, nas diferentes situações, poderão testemunhar alegremente aos homens e às mulheres do nosso tempo, que o Senhor é o Amor capaz de preencher o coração da pessoa humana”.
Passados vinte e cinco anos dessa inspiração do amado São João Paulo II, não podemos deixar de ir às fontes que o inspiraram, fundadas como que em um tripé, recordando indubitavelmente a Santíssima Trindade, a mais profunda comunhão de vida, de comunidade, na qual se deve espelhar todos aqueles que vivem a vida consagrada, quer em um instituto religioso, quer em um instituto secular.
A “refundação da vida religiosa” foi uma expressão muito utilizada no pós-Concílio, mas ela não foi interpretada no seu sentido original, pois de fato “refundar”, não significa nada mais, nada menos, que simplesmente, voltar aos fundamentos, voltar à base, ser capaz de ir até as fontes, pois o tempo e as vicissitudes nos podem ter afastado do projeto original, esse caminho de retorno, jamais puro saudosismo, faz-nos perceber o verdadeiro rosto de cada carisma, suscitado pelo Espírito Santo sob a confirmação da Igreja, tornando-o sempre autêntico e uma resposta atual para o mundo.
Bem sabemos, e não podemos negar, a grande riqueza que é para uma Igreja particular possuir em seu seio homens em mulheres que, acolhendo o chamado de Deus, respondem com a própria vida, buscando conduzi-la, no modo mais próximo possível a Cristo, imitando-o, como pobre, casto e obediente. Os diversos carismas que o Espírito Santo suscita na Igreja, mostra a diversidade dos seus dons, confirmando a unidade na diversidade, respondendo com um carisma específico, mas sem se afastar do todo, conclamando: “meu Deus, meu tudo”!
A Jornada Mundial da Vida Consagrada é feita para coincidir com a Festa da Apresentação do Senhor, pois nela, no Hoje que a Sagrada Liturgia atualiza, com Simeão e Ana, contemplamos o Divino Menino, o Verbo feito Carne, que é conduzido ao Templo: o templo do nosso coração. A Festa da Apresentação do Senhor é a festa de Cristo “luz dos povos”, e do encontro (“ Ypapanti”) do Messias com o seu povo, no Templo de Jerusalém.
O gesto de obediência à lei e de oferta, feito por Maria e José, o pai davídico de Jesus que levam o Menino para oferecê-lo ao Templo, inspira a vida de tantos consagrados e consagradas: eles e elas representam aqueles que escolheram a via dos conselhos evangélicos, na rica variedade dos carismas que tornam a Igreja ainda mais bela com os dons do Espírito e preparada para desempenhar sua missão universal do Evangelho; neste dia, cada consagrado deve renovar os compromissos de sua consagração e missão, eu como monge cisterciense, o papa como membro da Companhia de Jesus.
Nesta jornada celebramos o selo do encontro com Cristo e da oferta com Ele da vida consagrada, a fim de que Ele seja “luz para iluminar os povos”, e que cada consagrado/a indique-O como o Caminho, a Verdade e a Vida.
Este Hoje singular proporcionado pela Liturgia, convida cada consagrado e consagrada a encontrar-se mais fiéis, numa vida completamente doada a Deus (VC, n. 2) com a resposta de uma dedicação total e exclusiva (VC, n. 17).
Seja esse Hoje o Fiat do compromisso de cada consagrado/a à obediência ao Evangelho, à voz da Igreja, à regra de vida, inspirada ao fundador, e tornada eclesial pela confirmação da Igreja, que fez expandir o carisma específico.
É o dia de cada membro de um Instituto de Vida Consagrada confirmar com alegria o seu propósito de viver com sobriedade e austeridade, para vencer o desejo de possuir através da graça de dar, e de servir-se dos bens do mundo para a causa do Evangelho e a promoção do homem.
É dia de guardar com amor a castidade do corpo e a pureza da mente, de viver com coração indiviso, para a Glória de Deus e a salvação do homem.
Na celebração do jubileu argênteo da instituição da Jornada da Vida Consagrada, a Congregação dos Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica enviou uma Carta, na qual recorda que:
“Há meses acompanhamos as notícias que chegam das comunidades das diversas nações: falam de perplexidade, de infecções, de mortes, de dificuldades humanas e econômicas, de institutos que vão diminuindo, de medos… mas falam também de fidelidade provada pelo sofrimento, de coragem, de testemunho sereno mesmo na dor ou na incerteza, de partilha de cada dor e de cada ferida, de cuidado e de proximidade com os mais abandonados; de caridade e de serviço à custa da própria vida” (cf. Fratelli Tutti, Cap. 2)”.
Convida a cada membro de um Instituto de Vida Consagrada a vivenciar quotidianamente a Encíclica Fratelli Tutti, indicando que nela, o Papa Francisco convida a todos a atuar juntos, a reavivar em todos “uma aspiração mundial à fraternidade” (n. 8), a sonhar juntos (n. 9) a fim de que, “perante as várias formas atuais de eliminar e ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um sonho novo de fraternidade e amizade social…” (n. 6).
Que Maria, a Virgem Mãe, Templo Santíssimo de Deus, modelos de todo que se consagram seja a companheira de cada consagrado/a nesta caminhada: Ela, que foi traspassada pela espada do Espírito, ajude a todos, principalmente nos momentos de provação, a conservarem no coração aquilo que haviam contemplado, renovando com fervor a consagração que um dia Deus lhes concedeu como um dom gratuito.