Em julho, os povos indígenas da Ameríndia recordam a figura de Bartolomeu de las Casas, o primeiro bispo católico que ainda nos primeiros tempos da colonização assumiu o papel de defensor dos índios contra os conquistadores espanhóis. Ele foi bispo de Chiapas, no sul do México e faleceu em julho de 1586. Hoje ainda, a Igreja latino-americana reverencia e valoriza a herança que este profeta nos deixou para nosso modo de pensar e viver a missão. Ao invés de compreender a evangelização como conquista de adeptos, ou tentativa de convencer descrentes da verdade da nossa fé, o método lascasiano transforma nosso olhar. Faz-nos descobrir que não se trata de levar Deus aos não crentes. Bem antes de nós, a presença divina já está com eles. Já os abraça no seu amor e ilumina suas culturas com valores evangélicos e humanos. A nossa missão é valorizar estes sinais e nos inserir como irmãos. Assim como Jesus se fez um de nós, também devemos viver com as pessoas e comunidades uma verdadeira fraternidade. A partir desta inserção, podemos viver o diálogo e, por meio do diálogo, o testemunho do amor divino por todos os seres humanos. Só a partir deste testemunho, poderemos anunciar de forma evangélica a nossa fé e o projeto divino de salvação para todos.
Na festa de Pentecostes deste ano, completaram-se vinte anos em que, no Vaticano, com a assinatura do papa João Paulo II, a Pontifícia Congregação para a Missão e o Pontifício Conselho para o Diálogo interreligioso publicaram juntos o documento “Diálogo e Anúncio”. É um documento belíssimo sobre como articular o dever do diálogo e o anúncio da fé. Em sua primeira encíclica (Ecclesiam Suam), já em 1964, o papa Paulo VI afirmava que foi Deus quem nos ensinou a dialogar. Ele começou a dialogar conosco. Por isso, praticar o diálogo é uma obra divina. Entretanto, o diálogo não impede o anúncio. Sustenta-o para que seja um anúncio respeitoso, vivido a partir da realidade das culturas e comunidades às quais a missão se dirige. Em um mundo pluralista como o nosso, este cuidado de sempre partir do diálogo na missão é fundamental e urgente.
Neste mês de julho, nos Andes equatorianos, um encontro de povos indígenas propõe ao mundo que, para salvar o planeta Terra, a humanidade deveria aprender o Bom Viver como regra ética e critério de organização das sociedades. Este Bom viver é o Suma Kwasay dos quétchuas, ou o “Suma Kamana” dos aymara. O povo Guarani o chama lekil Kuxlejal, sinônimo de “vida boa”. Significa o que hoje denominamos de “qualidade de vida” e o Evangelho chama de “Vida em plenitude” (Jo 10, 10).
O mundo capitalista sempre prometeu às pessoas a possibilidade de se viver melhor e fala em otimização da produção e do trabalho. Os povos tradicionais não querem apenas isso. Almejam transformar profundamente o modo de viver. Priorizam a sacralidade da vida humana e de todos os seres vivos. Compreendem isso como compromisso de viver de modo sadio, feliz e harmonioso consigo mesmo, com os outros humanos e com todos os seres vivos. Para os povos tradicionais, não é um ideal irrealizável e sim uma utopia possível que temos de construir.
Antigamente, nas comunidades andinas, o bom viver era um método de vida e espiritualidade social. Com a invasão da cultura individualista e do consumo, para que alcancemos novamente este ideal, precisamos nos apoiar em um conjunto de princípios, critérios e iniciativas como alternativas ao tipo de desenvolvimento que privilegia o econômico, sem levar em conta a dimensão humana, social e ecológica. A Bolívia e o Equador inscreveram o bom viver nas suas constituições, como objetivo do Estado. Nestes países, inúmeras conferências e congressos procuram aprofundar um conhecimento cultural das diversas tradições indígenas e garantir uma conduta ética e espiritual que fundamente uma sociedade dirigida à realização de cada pessoa na comunidade e, a partir do cuidado social, garanta o equilíbrio nas relações entre as pessoas, povos, assim como com a Mãe Terra e toda a natureza.
Apesar de que existem grupos religiosos capitalistas que fazem do lucro e da prosperidade econômica um sinal de bênção divina, as grandes tradições espirituais sempre chamaram as pessoas a valorizar mais o ser do que o ter. No evangelho de Mateus, em seu primeiro discurso público, Jesus proclama oito bênçãos, bem-aventuranças ou situações de felicidade (Mt 5, 1- 12) e no evangelho de João, ele afirma: “Eu vim ao mundo para que todas as pessoas tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10, 10). Esta é a meta de nossa missão evangelizadora e é a razão de ser da nossa Igreja. A organização pastoral, a catequese, a liturgia e todas as nossas atividades eclesiais devem ter este objetivo maior que os evangelhos chamam de reino de Deus. Jesus nos ensinou a pedir diariamente: “Venha a nós, o vosso reino!”.
Marcelo Barros
é monge beneditino e membro da Comissão Arquidiocesana
de Pastoral para o Ecumenismo