O arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, foi homenageado ontem (14) à noite em sessão solene na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). A homenagem foi proposta pela deputada estadual Teresa Leitão, motivada pelo bem que o arcebispo fez em 13 anos à frente da Arquidiocese de Olinda e Recife. A sessão, presidida pelo deputado Antônio Moraes, reuniu padres, seminaristas, familiares de dom Fernando e autoridades no Auditório Senador Sérgio Guerra, no primeiro andar da Alepe.

Dom Fernando completou 75 anos em junho e, em obediência ao Código de Direito Canônico, enviou pedido de renúncia ao Papa Francisco. Enquanto aguarda resposta e substituto, mantem-se na ativa com muitos compromissos na Arquidiocese. Depois de realizar o 18º Congresso Eucarístico Nacional, em novembro, no Recife, o arcebispo ainda tem agendado, para este ano, inúmeras audiências na Cúria Metropolitana, além de visitas a presídios, reabertura da Igreja de São José, reabertura do Seminário de Olinda, celebrações e ordenações.

O discurso leve de Teresa Leitão exaltou as atividades da Igreja local sob o comando de Dom Fernando. “Dom Fernando soube, em seu pastoreio, juntar a Igreja litúrgica com a Igreja social, num trabalho brilhante e muito necessário, que precisa ser reconhecido e homenageado”, disse a deputada, que foi eleita este ano para uma das vagas do Senado Federal.

A música regional do artista Dudu do Acordeon e o coral Vozes de Pernambuco animaram a noite na Assembleia, que é conhecida como A Casa de Todos os Pernambucanos. Dom Fernando fez um discurso simpático e bem-humorado, repleto de expressões que revelaram sua satisfação em viver o ministério a serviço dos que mais precisam. Sobre o afastamento da função de arcebispo de Olinda e Recife, tão logo o Papa responda sua solicitação, não o entristece ou aflige, lembrando que a missão dos bispos é, em comunhão com os outros bispos do mundo, a solicitude e o cuidado com todas as igrejas no mundo e não depende só da diocese. “Então não é por deixar de ser arcebispo de Olinda e Recife que eu me aposento da missão. Continuarei a viver a missão de cristão, de presbítero e de bispo nessa solicitude com toda a igreja de Deus no mundo inteiro e dando todas as minhas forças no serviço que é testemunho do amor de Deus onde eu estiver”, comentou.
A placa comemorativa entregue na sessão junta-se, com gratidão e merecimento, a outras homenagens recebidas nesses 13 anos de missão, como a Ordem do Mérito do Capibaribe, a mais alta comenda da cidade do Recife, conferida ao arcebispo no último dia 8 de dezembro pelo prefeito João Campos, no encerramento da festa de Nossa Senhora da Conceição do Morro. Daqui até a chegada de seu sucessor, muito trabalho e muitas homenagens serão vistos pelo caminho.

Leia o discurso de Dom Fernando:
Homenagem na Assembleia Legislativa de Pernambuco
“Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé. Agora me resta a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz, me entregará naquele dia; e não somente a mim, mas para todos os que tiverem esperado com amor a sua manifestação” (2Tim 4,6-8).
Faço uso dessa conhecida palavra do apóstolo Paulo, em sua segunda carta ao companheiro de missão e amigo Timóteo, para expressar meu sentimento nesse momento de minha vida. Primeiramente, quero recordar que São Paulo tinha consciência que se aproximava a hora do seu sacrifício, o que não é o meu caso. Espero viver mais alguns anos, mas evidentemente estou nas mãos de Deus. Conforme o Concílio Vaticano II, a missão dos bispos é, em comunhão com os outros bispos do mundo, a solicitude e o cuidado com todas as igrejas no mundo e não depende só da diocese. (Dec. Christus Dominus – nº 6). Então não é por deixar de ser arcebispo de Olinda e Recife que eu me aposento da missão. Continuarei a viver a missão de cristão, de presbítero e de bispo nessa solicitude com toda a igreja de Deus no mundo inteiro e dando todas as minhas forças no serviço que é testemunho do amor de Deus onde eu estiver. Como na missão que durante treze anos e meses venho exercendo como arcebispo nesta amada Igreja. Recordo Santo Agostinho de Hipona que no século V já dizia: “Atemoriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vos sou bispo; convosco sou cristão. Aquilo é um dever; isto, uma graça”.
Tenho consciência tranquila de que sempre procurei e procurarei combater o bom combate, não sei se as pessoas assim o interpretam. É provável que alguém pense diferente. Eu, inclusive, costumo me esforçar por respeitar as diferenças. A metodologia de renovação da gestão na Igreja é diferente do ESTADO. Não temos dia previamente determinado para passar o báculo pastoral. Existe uma sondagem por tempo indeterminado até se chegar a um consenso. Nessa ocasião, com a devida aprovação do santo padre, o nome será divulgado e marcada a posse do sucessor. Até esse momento a missão do bispo continua e como costumo dizer, procurarei desempenhá-la com empenho até o fim.
Comecei muito cedo minha caminhada vocacional. Tinha apenas treze anos de idade e residia em Vitória de Santo Antão quando despertei para o ministério ordenado, tendo ingressado no Seminário da Imaculada Conceição, na Várzea, em 1961, para iniciar o chamado curso ginasial. Tive o privilégio de ser recebido pelo saudoso jovem sacerdote, muito querido nosso, padre José Edwaldo Gomes, na época vice-reitor do Seminário. Éramos três adolescentes, enviados pelo pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Livramento (Pe. João Eduardo Tavares). Um deles (João Moreira) desistiu nos primeiros anos da formação e o segundo (Severino Ramos) faleceu tragicamente em sua primeira féria em Vitória.
Naquele tempo a Igreja era dirigida pelo papa João XXIII (1958 a 1963) que, corajosamente, convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II tendo em vista a renovação da Igreja. Nossa arquidiocese era pastoreada pelo arcebispo dom Carlos Gouveia Coelho (1960 a 1964) que chegou a participar de algumas sessões do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962 a 1965). Faleceu prematuramente com 56 anos de idade em março de 1964. Teve como sucessor, nosso amado “Servo de Deus” Dom Helder Pessoa Camara (1964 a 1985). Em 1969, o então arcebispo dom Helder decidiu reformular o sistema arquidiocesano de formação sacerdotal, fechando o seminário menor que era interdiocesano e transferindo os seminaristas de filosofia e teologia, do Seminário de Olinda, para residirem em casas simples nas periferias da cidade, tendo em cada uma delas um sacerdote para acompanhar os formandos. Para os estudos foi criado o Instituto de Teologia do Recife – ITER que funcionava nos Coelhos, onde atualmente se encontra a sede do Movimento Pró-criança.
Sendo do interior, de família pobre e desejando continuar meus estudos aqui em Recife, fui acolhido, juntamente com outros ex-seminaristas em igual situação, pelo padre Edwaldo Gomes que criou um centro vocacional no bairro Cabanga, onde sua Paróquia São José tinha uma residência disponível. Nos envolvemos na pastoral, mas precisava trabalhar para me manter e assim o fiz. Somente alguns aos depois, conheci o Mosteiro de São Bento de Olinda e me interessei pela vida monástica, tendo sido recebido pelo então abade Dom Basílio Penido. A vocação no Mosteiro era preferencialmente voltada para a vida monástica, ficando o sacerdócio em segundo plano. Assimilei perfeitamente a orientação e a partir de então decidi não mais ser padre e sim monge. Cursei normalmente filosofia e teologia para melhor servir à Igreja. Já professo solene e no terceiro ano do curso de teologia a comunidade, na pessoa do abade, pediu a mim e a mais três outros irmãos para aceitar o sacerdócio em vista das necessidades pastorais do Mosteiro. Na obediência, aceitei humildemente a missão e tive o privilégio de ser ordenado diácono pela imposição das mãos de dom José Lamartine (bispo auxiliar) e presbítero pelo arcebispo dom Helder Camara. No Mosteiro exercia sobretudo a função de celeireiro (ecônomo) o que me tomava muito tempo, mas me deu oportunidade de trabalhar pela administração da casa, do Colégio São Bento e ao mesmo tempo desenvolver prazeroso trabalho social voltado para pessoas necessitadas.
Com a mudança de abade passei a assumir outras funções mais voltadas para a pastoral. Fui nomeado com mais dois outros irmãos presbíteros beneditinos para a administração das paróquias de N S de Guadalupe e São Lucas, ambas em Olinda. Era então arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho que fez esse apelo ao Mosteiro devido à escassez de sacerdotes diocesanos. Assim fui me aproximando mais da vida pastoral da arquidiocese tendo, mais adiante, sido convidado para o ofício de coordenador arquidiocesano de pastoral, vigário geral e no ano 2000, nomeado Bispo Auxiliar desta amada arquidiocese de Olinda e Recife.
Humildemente, confesso que não foi fácil dar esses passos, relutei bastante, sobretudo, à missão episcopal. Não me sentia vocacionado para ser bispo, mas decidi dessa vez obedecer. No ano anterior já tinha dado um não como resposta a um primeiro chamado dessa natureza e agora a Igreja volta a insistir e vi nisso um sinal de Deus. O evangelho do dia era o da anunciação (Luc 1,26-38), por essa razão tomei por lema episcopal “Secundum Verbum Tuum”, procurando viver a experiência de Nossa Senhora que ao chamado de Deus, através do anjo Gabriel, para ser a mãe do Salvador respondeu: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”.
Vejo o episcopado como algo muito grande e de enorme, responsabilidade, daí o meu temor. Em 2018 na visita à Cidade do México, próximo ao Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, o Papa Francisco assim falou aos bispos: “Sede bispos de olhar límpido, alma transparente, rosto luminoso; não tenhais medo da transparência; a Igreja não precisa da obscuridade para trabalhar. Vigiai para que os vossos olhares não se cubram com as penumbras das névoas do mundanismo; não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa; não ponhais a vossa confiança nos ‘carros e cavalos’ dos faraós de hoje, porque a nossa força é a ‘coluna de fogo’ que irrompe separando em duas as águas do mar, sem fazer grande rumor” (conf. Ex 14, 24-25). Palavras proféticas que deve interpelar a vida e a missão do pastor. O bispo não pode ceder à tentação dos privilégios, mas ser um servidor, como Nossa Senhora assim o fez.
Durante cinco anos fui bispo auxiliar desta arquidiocese. Nesse período fui nomeado presidente do Regional Nordeste 2, em substituição a Dom Antônio Soares Costa (Bispo de Caruaru) que faleceu repentinamente. Em 2005 fui transferido para a Diocese de Sobral no Ceará onde pastoreei, com alegria, aquela maravilhosa porção do povo de Deus até 2009 quando retornei para Recife com arcebispo.
Nesses mais de 22 anos de experiência episcopal, 39 de ministério sacerdotal e 44 de vida religiosa, posso garantir a vocês que, apesar de minhas fraquezas e indignidade, nunca me faltou o amor de Deus. Acredito piamente na “Graça de Estado”. Quando Deus chama e nos confia uma missão, Ele está ao lado nos conduzindo e iluminando. Foi o que Jesus nos garantiu “Estarei convosco todos os dias” (Mt.28,20). A obediência é sem dúvida o melhor caminho. Sobretudo na missão episcopal, quantas vezes situações que aparentemente pareciam insolúveis, de repente a solução chega com clareza tal que só pode vir de Deus.
Agradeço à amiga deputada Tereza Leitão, que na próxima segunda-feira será diplomada senadora do nosso Estado de Pernambuco, pela gentileza da proposta e aos demais deputados que a aprovaram por unanimidade. Aproveito a ocasião para parabenizar, mais uma vez, à nova senadora e também a todos os deputados reeleitos, além dos novos que estão chegando a essa casa. Somos gratos pelas parcerias que construímos ao longo desses 13 anos e continuaremos construindo até o “apito final”, para usar uma expressão atual nesse tempo de copa do mundo. Como o bispo, a missão do parlamentar, assim constituído pelo voto do povo, deve ser também a de servir sem distinção de pessoas, raça, cultura ou condição social, levando em conta, exatamente, as necessidades dos mais pobres e injustiçados. Que ele ou ela nunca ceda à tentação de fazer uso do cargo para se auto beneficiar, mas sempre procurar lutar em favor de todos/as, em atenção aos que lhe confiaram o mandato. Essa firmeza muitas vezes custa e incomoda, como incomoda os pastores que, corajosamente, põem em prática a Palavra de Deus.
Agradeço, finalmente a todos vocês que muito me honraram com sua presença e desejo a todos e todas um renovador ciclo do Natal.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife
Recife, 14 de dezembro de 2022.