Os bispos da Província Eclesiástica de Olinda e Recife, em Pernambuco, reuniram-se nesta segunda-feira (17) com a governadora do estado Raquel Lyra, na sede do Regional Nordeste 2 da CNBB, no centro da capital pernambucana. Eles discutiram temas como fome, enchentes, superlotação em hospitais e presídios que, junto a outras realidades, são preocupações pastorais das dez dioceses do estado e da arquidiocese de Olinda e Recife, que formam a província.

Dentre os tantos assuntos da reunião, o combate à fome foi um dos mais delicados e urgentes. De acordo com relatório da Rede Penssan, que monitora a segurança alimentar e nutricional dos brasileiros, cerca de 125,2 milhões de brasileiros sofrem algum tipo de insegurança alimentar (58,7% da população). Destes, pelo menos 20% passam fome. Os Estados do Norte e do Nordeste são os que mais sofrem, em termos proporcionais, com a insegurança alimentar grave. Pernambuco tem a segunda maior população de pessoas passando fome: 2,1 milhões de pessoas.

Os bispos entregaram à governadora uma carta com 29 sugestões de ações para elaboração e implementação de políticas públicas, do litoral ao sertão do estado. “Sentimos por parte da governadora muita abertura, muita disponibilidade dela para ajudar, inclusive contando conosco e nos convidando a estar mais perto do governo e isso nos alegra muito porque de fato estamos vendo boa vontade para ajudar o nosso povo”, disse o metropolita dom Fernando.

O tom de cobrança foi, respeitosamente, evitado pelos bispos, que reforçaram o espírito de colaboração entre Igreja e estado. Conversa franca para construir, com responsabilidade, a dignidade e a promoção humana. Para a governadora, a parceria é fundamental. “Estamos desenhando um programa de segurança alimentar para entregar à população”, disse Raquel Lyra, “e para que ele possa funcionar de verdade é preciso garantir o apoio de todos os pernambucanos e das instituições religiosas como a Igreja católica”. Em sua fala, a governadora lembrou a importância da Casa do Pão, inaugurada no final do ano passado pela Arquidiocese, que atende de forma especial à população de rua e aos mais carentes da região metropolitana.  

Ao final da reunião, dom Fernando Saburido entregou à governadora um exemplar dos Anais do 18º Congresso Eucarístico Nacional, realizado na Arquidiocese de Olinda e Recife em novembro de 2022.

Província e bispos

Fazem parte da Província Eclesiástica de Pernambuco a Arquidiocese de Olinda e Recife (dom Fernando Saburido) e as dioceses de Palmares (dom Fernando Barbosa), Petrolina (dom Francisco Canindé), Nazaré (dom Francisco Lucena), Floresta (dom Gabriel Marchesi), Afogados da Ingazeira (dom Egídio Bisol), Garanhuns (dom Paulo Jackson), Caruaru (dom José Ruy), Pesqueira (dom José Salles) e Salgueiro (recém-nomeado monsenhor José Vicente Alencar Silva que tomará posse em julho).

Pascom AOR

CARTA DOS BISPOS DE PERNAMBUCO PARA A GOVERNADORA RAQUEL LYRA

Recife, 17 de abril de 2023.

“Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16)

Somos Bispos da Igreja Católica, na Província Eclesiástica de Olinda e Recife, no Estado de Pernambuco, e estamos em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. No exercício de sua missão evangelizadora, a Igreja sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Através desta Carta, registramos nossas preocupações pastorais e, em vista da formulação de Políticas Públicas, que julgamos pertinentes, apresentamos sugestões ao Governo de Pernambuco, em espírito de colaboração. Interpelados pela gravidade do momento que vivemos, sempre na perspectiva do serviço, nos colocamos ao lado de todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo.

A nossa Província Eclesiástica é formada por dez Dioceses, localizadas no Sertão (Petrolina, Salgueiro, Afogados da Ingazeira e Floresta), no Agreste (Pesqueira, Garanhuns e Caruaru), na Zona da Mata (Nazaré da Mata e Palmares) e na Região Metropolitana (Arquidiocese de Olinda e Recife). Comprometidos com a Doutrina Social da Igreja e a opção preferencial pelos pobres, para que os mesmos vivam com dignidade, destacam-se as ações desenvolvidas pelas pastorais sociais, movimentos e organismos da Igreja Católica em todas as Regiões do nosso Estado. Mediante ações e testemunhos de amor, cuidado e compaixão, atenta ao chamado do Papa Francisco para ser uma “Igreja em saída”, cada Diocese procura estar presente na vida do nosso povo.

A Campanha da Fraternidade deste ano confronta-nos com a realidade da fome, à luz do tema Fraternidade e Fome, e do lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” que se encontra no Evangelho de Mateus. O sistema instalado na nossa sociedade não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53). Vemos com grande preocupação a fome e o aumento das desigualdades. O relatório da Rede Penssan mostra que 125,2 milhões de brasileiros sofrem algum tipo de insegurança alimentar, compreendendo, assim, quase 60% (58,7%) da população. Pelo menos 20% das famílias, em seus domicílios, passam fome em dez das 27 unidades da federação. Os Estados do Norte e do Nordeste são os que mais sofrem, em termos proporcionais, com a insegurança alimentar grave. Pernambuco tem a segunda maior população de pessoas passando fome: 2,1 milhões de pessoas.

O momento que estamos vivendo exige de nós unidade no respeito à pluralidade. Por isso, propomos um amplo diálogo que envolva os homens e mulheres de boa vontade, comprometidos com a democracia, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com educação e saúde de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o “Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”. Enquanto sociedade, somos desafiados a pensar em outras formas de organizar as relações sociais segundo princípios que valorizam o ser humano, o trabalho, a justiça, a solidariedade e a sustentabilidade do planeta. Por isso, nos unimos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil.

Diante disso, destacamos alguns desafios que têm fisionomia própria nas Regiões onde se encontra a parcela do povo de Deus que foi confiada pela Igreja ao nosso cuidado pastoral.

Região Sertão

– Falta de políticas de recursos hídricos em comunidades rurais e urbanas.

– Impactos dos megaprojetos no Bioma Caatinga, sobretudo, em comunidades riberinhas e tradiocionais, como transposição, transnordestina, usina nuclear e parques eólicos.

– Aumento da violência nas comunidades rurais e urbanas; Segurança pública.

– Falta de investimento nas estradas e rodovias.

– Ausência de investimentos em ações de Segurança e Soberania Alimentar.

– Falta de investimento para ampliação dos serviços de saúde no Sertão, levando as pessoas a se deslocarem para a Capital do Estado.

Região Agreste

– Falta de acesso à água.

– Dificuldade de acesso a Hospitais, Upas e outros serviços.

– Falta de incentivo à agricultura familiar.

– Aumento da Violência, sobretudo, com jovens e mulheres.

– Impactos dos parques eólicos nas comunidades.

– Ausência de parcerias para o desenvolvimento do turismo.

Região Metropolitana e Zona da Mata (Norte e Sul)

– Superlotação nos grandes Hospitais da Região Metroplitana.

– Falta de política habitacional para as populações que moram em morros, palafitas e encostas.

– Falta de investimento em ações de infraestrutura e sanenamento básico.

– Ausência de incentivo aoTurismo Religioso.

– Existência de aterros desordenados nos Centros Urbanos.

– Estrada inacabadas, causando fluxo intenso de veículos e, consequentemente, insegurança para a população.

– Presídios com superlotação e estruturas ultrapassadas, e a falta de uma política eficaz de ressocialização.

– Falta de reconhecimento dos povos tradicionais e originários.

– Crescimento dos conflitos agrários, sobretudo, na Mata Sul do Estado.

– Impacto das mudanças climáticas nas comunidades, sobretudo, nas famílias em situação de vulnerabilidade social.

– Falta de apoio às comunidades ribeirinhas e camponesas.

– Finalização das obras da Barragem de Jucazinho e das quatros projetadas para Região da Mata Sul, desde a enchente em Palmares no ano de 2010 (Serro Azul, concluída em 2017, Cupira, São Benedito do Sul e Barra de Guabiraba, cujas obras estão paralisadas desde 2013).

– Falta de conservação e manutenção das estradas.

Assim como o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12). Comprometidos com a construção de uma sociedade com justiça social e com a promoção da dignidade humana, sugerimos:

1. Criação de Programa Estadual de Combate à fome e superação da miséria em Pernambuco, a exemplo da experiência da CNBB – Ação Solidária “É tempo de Cuidar”, com foco na produção de alimentos, assistência técnica continuada, construção de cisternas de placas para a captação de água de chuva para consumo e para a produção de alimentos.

2. Apoio às iniciativas desenvolvidas pelas organizações da Igreja Católica, viabilizando recursos através do Fundo de Combate à Pobreza para projetos sociais no Estado de Pernambuco, a exemplo da Casa do Pão, gesto concreto do XVIII Congresso Eucarístico Nacional, no ano de 2022.

3. Criação de Auxílio Emergencial no Estado de Pernambuco para os grupos em situação de vulnerabilidade social (mulheres, crianças e adolescentes, idosos, população em situação de rua, população de comunidades tradicionais e indígenas, migrantes e refugiados/as, pessoas com deficiência).

4. Garantir orçamento e um plano de investimento para recuperação das nascentes e rios no Estado de Pernambuco.

5. Fortalecimento e ampliação dos bancos de sementes crioulas, a partir da cooperação técnica entre povos e comunidades tradicionais, para a criação de programas regionais para aquisição de sementes crioulas de milho e feijão, oriundas dos bancos de sementes para distribuição dentro do calendário agrícola do Estado de Pernambuco.

6. Garantir Assistência Técnica para os/as agricultores/as familiares, comunidades tradicionais pesqueiras, que envolvam os jovens e as mulheres, priorizando os quintais produtivos e sistemas agroflorestais e apoio a iniciativas de cozinhas coletivas populares e de soberania e segurança alimentar.

7. Programas estaduais para zerar contas de água e luz e vale gás para as famílias em situação de vulnerabilidade.

8. Criar um fundo para garantir assistência social para as comunidades impactadas por grandes projetos e crimes ambientais.

9. Criação de programas de apoio a projetos produtivos com atenção aos segmentos em situação de vulnerabilidade (jovens, mulheres, mães solo, povos e comunidades tradicionais e de periferias urbanas) para comunidades pesqueiras.

10. Criação de uma Secretaria Executiva de Economia Solidária com amplo diálogo com a sociedade civil para o aprimoramento de políticas de economia popular solidária, visando o fortalecimento das ações de fomento e geração de renda.

11. Em áreas de Conflitos Agrários garantir a terra aos trabalhadores posseiros, através da Regularização Fundiária da totalidade das posses rurais, com definições de metas e prazos e adotando a prática da adjudicação dos imóveis de empresas devedoras;

12. Revisar a política de licenciamento ambiental e concessão de licenças para grandes projetos em territórios de povos e comunidades tradicionais e outras áreas de proteção socioambiental.

13. Assegurar o imediato fim da violência, o restabelecimento da paz e o respeito aos direitos, em especial nas regiões de conflito agrário e urbano, dando celeridade aos processos de titulação e demarcação de territórios de comunidades quilombolas e indígenas com trâmites avançados ou em fase de conclusão.

14. Retomar os programas habitacionais nas zonas urbanas e rurais, dando acesso ao direito de moradia digna para populações mais vulneráveis, a exemplo das mulheres mães solo, catadores/as de materiais recicláveis, povos e comunidades tradicionais.

15. Criação de uma Diretoria sobre o tema da Migração, Refúgio e Apatridia, com o objetivo de constituir uma atuação mais humanizada no primeiro atendimento dessa população.

16. Contribuir na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas no Semiárido Pernambucano, apoiando a construção e a implementação de inciativas no âmbito das energias renováveis (experiências comunitárias de geração de energia solar).

17. Assegurar recursos para a implantação de novas tecnologias sociais, no âmbito do saneamento rural, como o bioágua – para reuso das águas cinzas.

18. Implementar a Política Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca.

19. Priorizar a construção das barragens, já projetadas, para o enfrentamento das enchentes, e consequentemente, ampliar e reforçar o abastecimento de água, via construção de adutoras.

20. Retomar programas de compra da agricultura familiar e da economia solidária, a exemplo do Porgrama de Aquisição de Alimentos – PAA.

21. Retomar e ampliar o programa de distribuição de leite para as famílias em situação de vulnerabilidade.

22. Garantir assistência técnica aos pequenos produtores rurais, de forma direta ou por meio de parcerias.

23. Apoiar e fortalecer os espaços de discussão e controle social, como o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – CDS, o Conselho Estadual de Economia Popular e Solidária – CEEPS, o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea, e a Comissão Estadual de Produção Orgânica – CPOrg.

24. Implantar a Política Estadual de Agroecologia.

25. Estruturar e valorizar o Programa Estadual de Apoio ao Pequeno Produtor Rural – Prorural.

26. Ampliar e concluir a recuperação das rodovias estaduais – PEs, contribuindo, assim, para o fortalecimento das cadeias produtivas e do turismo.

27. Interiorizar o Porto Digital, expandindo oportunidades e tecnologias, contribuindo para inclusão de jovens no mercado de trabalho;

28. Fortalecer o Turismo, em especial o Religioso, criando as rotas da fé, garantindo assim, geração de ocupação e renda. (A exemplo do projeto de instalação do monumento de 50 metros dedicado a Nossa Senhora Aparecida, no Distrito de Juçaral/Cabo de Santo Agostinho. Projeto este que promoverá o desenvolvimento para toda Região carente da Mata Sul e está dependendo da liberação final do terreno de propriedade do Governo Estadual, além do apoio e patrocínio)

29. Investir em unidades prisionais que assegurem às pessoas sua reintegação na sociedade.

A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, sobre a Igreja no mundo atual, começa com estas palavras: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”. Por isso, com esta nossa contribuição pastoral, apresentada ao Governo do Estado, nos unimos para, juntos, superarmos as tristezas e angústias do povo pernambucano.