Nesta terça-feira (22), à noite, a igreja da Madre de Deus, no Recife Antigo, estava lotada de fiéis para a missa em sufrágio da alma do Papa Francisco. Presidida pelo bispo auxiliar de Olinda e Recife, dom Josivaldo Bezerra, a missa contou com a participação de autoridades como o vice-prefeito do Recife, Victor Marques, e a cônsul da Argentina, Julieta Grande.

No início da celebração, seminaristas trouxeram um quadro do Papa e colocaram em lugar de destaque, perto do altar. No presbitério estava, além de dom Josivaldo, o bispo auxiliar dom Nereudo Freire. A celebração na Madre de Deus marca a história da Arquidiocese com uma despedida tocante, especialmente para os dois bispos auxiliares, que foram escolhidos pelo Papa Francisco para o ministério episcopal.

O clero representou bem o arcebispo dom Paulo Jackson que viajou, na segunda-feira (21), dia da morte do Papa, para um retiro na Terra Santa. O vigário geral, monsenhor Luciano Brito, os vigários episcopais e o padre Damião Silva, pároco da Paróquia São Frei Pedro Gonçalves, da qual a igreja da Madre de Deus é matriz, também estavam no presbitério e concelebraram a missa.

A convite de dom Josivaldo, dom Nereudo Freire fez a homilia da missa. Acompanhe abaixo, na íntegra, o texto da homilia.

HOMILIA
22/04/2025

Caríssimos irmãos e irmãs, louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Fomos surpreendidos com a dolorosa notícia do falecimento do nosso amado Papa Francisco. Com o coração entristecido, partilhamos o sentimento de luto que hoje une toda a Igreja. Contudo, como filhos da luz e da Ressurreição, sustentados pela fé no Cristo vivo, elevamos a Deus nossa prece de gratidão e confiança.

Sim, experimentamos a perda de um Pastor, homem de Deus, que, com voz profética e coração de Pai, nos conduziu por caminhos de misericórdia, justiça e esperança. Francisco foi dom precioso para o nosso tempo: com sua vida simples e profundamente evangélica, reacendeu em nós o fervor missionário, despertou a consciência do cuidado com os pobres e com a Casa Comum e nos ensinou a viver a fé com humildade, ternura e coragem.

O trecho do Evangelho, segundo João (20,11-18), narra com sensibilidade o encontro entre Maria Madalena e o Ressuscitado. Este episódio está inserido no conjunto das aparições pascais, logo após a descoberta do túmulo vazio. Enquanto Pedro e o discípulo amado retornam para casa (Jo 20,10), Maria permanece junto ao túmulo — e é justamente essa permanência amorosa e perseverante que abre espaço para uma profunda revelação pascal.

Maria Madalena representa, aqui, a comunidade dos discípulos e discípulas que, mesmo envoltos em dor e incerteza, permanecem fiéis ao Senhor. O gesto de ficar “fora do túmulo chorando” (Jo 20,11) revela sua angústia diante da aparente ausência de Jesus, mas também sua determinação amorosa de buscá-lo. No Evangelho de João, o verdadeiro discípulo é aquele que “permanece” (Jo 15,4-10), e Maria torna-se modelo paradigmático de discipulado.

A presença dos dois anjos no túmulo, “um à cabeceira e outro aos pés” (Jo 20,12), evoca a imagem da Arca da Aliança (Ex 25,18-20), indicando que o corpo de Cristo é agora o novo lugar da manifestação divina. A ausência do corpo não denuncia roubo, mas revela a glorificação do Senhor.

O ponto culminante do texto é o reconhecimento do Ressuscitado, quando Jesus a chama pelo nome: “Maria!” (Jo 20,16). A escuta precede a visão. É a Palavra viva que desperta a fé. Esse chamado remete à imagem do Bom Pastor (Jo 10,3), que conhece suas ovelhas pelo nome. Ao reconhecer Jesus, Maria exclama: “Rabbuni!” — “meu Mestre”, testemunhando a nova relação com o Cristo glorioso. Somente ouvindo a voz do Ressuscitado é que poderemos ouvir os gemidos e o grito de milhões de irmãos transeuntes, espalhados em nossas periferias e pelo mundo. O Papa Francisco nos deu o exemplo de quem sempre escutou a voz de Deus, e ao mesmo tempo, escutar os famintos e os que são excluídos dos processos de desenvolvimento.

A resposta de Jesus — “Não me toques, pois ainda não subi para o Pai” (Jo 20,17) — é uma orientação teológica profunda: não se deve mais apegar à antiga forma de presença física, mas acolher a nova comunhão espiritual, que se dá na fé e no envio missionário. Assim, Maria torna-se a “apóstola dos apóstolos”, a primeira anunciadora da Ressurreição, antecipando a missão da Igreja.

Este não é apenas um relato histórico, mas uma catequese joanina sobre a nova forma de comunhão com Cristo, marcada pela escuta da Palavra e pelo testemunho. Como afirma o Papa Francisco: “Maria Madalena procurava com lágrimas o Senhor e o encontrou. E o Senhor chamou-a pelo nome. Jesus chama cada um de nós pelo nome. Esta é a nossa alegria: ser chamados por Ele”. (Homilia, Segunda-feira da Oitava da Páscoa, 2017).

Celebrar a Páscoa é mergulhar no mistério central da fé cristã: a vitória do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte, da paz sobre o conflito. Nesse horizonte de esperança, o Papa Francisco deixa à Igreja um legado marcado pela autenticidade do Evangelho e pela ousadia do amor que transforma a realidade.

Com os olhos fixos no Ressuscitado, o Papa Francisco recuperou a centralidade da dignidade humana, lembrando que todos somos criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). Para ele, “dominar a terra” não é explorá-la, mas cuidar da vida e da criação com responsabilidade e reverência. Na Laudato Si’, adverte: “não haverá uma nova relação com a natureza sem um ser humano novo” (LS 118). Por isso, propõe a ecologia integral como caminho de conversão pessoal, social e planetária: “tudo está interligado” (LS 16).

Inspirado na fé de Abraão, que não hesitou em confiar plenamente em Deus (Gn 22), Francisco encarnou uma fé madura expressada em atos concretos de misericórdia, acolhimento e proximidade com os descartados: os pobres, os refugiados, os povos indígenas, os doentes e os idosos. Como ensina na Evangelii Gaudium: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Queremos edificar a Igreja de Jesus, pobre, acolhedora anunciadora da misericórdia, ou uma igreja insensível aos pequenos, a serviço do poder que oprime? Seremos nós os Anais e os Caifás de hoje?

Ao lado das urgências ecológicas e sociais, o Papa Francisco nos alertou para uma outra raiz do sofrimento humano: a vaidade. A vaidade espiritual, social e política que exalta o ego e oprime o próximo. A vaidade estimula a competição, o carreirismo e o clericalismo. Ela alimenta divisões, fomenta conflitos e perpetua guerras. A superação da vaidade é condição para a conversão verdadeira. Só o humilde é capaz de promover a paz. A guerra nasce no coração onde a soberba e o orgulho reinam.

Na encíclica Fratelli Tutti, Francisco denuncia os mecanismos de ódio e exclusão que alimentam os conflitos mundiais: “A guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio ambiente. Se quisermos um autêntico desenvolvimento humano, devemos trabalhar sem descanso para evitar a guerra” (FT 257).

Celebrar a Páscoa é, portanto, também se comprometer com a superação dos conflitos e das guerras, sendo instrumentos de paz, promotores do diálogo, artesãos da reconciliação. O cristão é chamado a ser “sal da terra” e “luz do mundo” (Mt 5,13-14), testemunhando o Evangelho da paz com gestos concretos de justiça, escuta e fraternidade.

Voltar à Galileia (Mt 28,7) é recomeçar com coragem, à luz do Ressuscitado, renovando o ardor missionário de nossas comunidades. É transformar nossas paróquias e dioceses em lugares de escuta, acolhimento, comunhão e envio, onde cada batizado assuma sua vocação de discípulo-missionário.

Seguindo o testemunho deixado pelo Papa Francisco e sustentados pela força do Ressuscitado, somos chamados a viver uma profunda conversão pessoal e comunitária. A Ressurreição nos desafia a abandonar as armas do poder e da vaidade, a vencer o individualismo e a semear gestos de paz, humildade e comunhão.

Que Nossa Senhora, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, interceda pelo descanso eterno do nosso querido Papa Francisco, que sempre recorreu a sua intercessão, e por todos os seus filhos e filhas espalhados pelo mundo, para que sejamos anunciadores do Evangelho e artífices da paz, luzes que brilham na noite da história, e testemunhas da esperança pascal!

Nossa Senhora, Rainha da Paz, rogai por nós!
Papa Francisco, missionário da misericórdia e da verdade, orai por nós!

Recife, 22 de abril de 2025 Dom Nereudo Freire Henrique
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Olinda e Recife