Em entrevista, o arcebispo emérito de Belém, Dom Vicente Zico, disserta sobre o mistério da vida.

De 1 a 7 de outubro, a Igreja no Brasil celebra a Semana Nacional da Vida, que culmina com o Dia do Nascituro, no dia 8. Diante destas datas, somos convidados a refletir sobre o atual contexto social, que mostra cada vez mais a desvalorização para com a pessoa humana. O que seria necessário para que o homem fosse realmente visto e tratado como uma obra divina?

Constantemente, o noticiário informa sobre casos de abandono de recém-nascidos e infanticídios. A vida se apresenta frágil e desvalorizada. Para tentar mudar esta realidade, foi realizada, dia 31 de agosto, a 4ª Marcha Nacional da Cidadania pela Vida, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. A manifestação teve como objetivo a entrega de um abaixo-assinado, com 50 mil assinaturas, em defesa do Estatuto do Nascituro.

O Estatuto visa a proteção jurídica do ser humano, desde sua concepção, garantindo o direito à vida, saúde, honra, integridade física, alimentação, adoção e convivência familiar. Metas apoiadas pelo Movimento em Defesa da Vida (MDV) e Brasil sem Aborto.

O tema da Semana Nacional da Vida, neste ano, “Vida, Ecologia Humana e Meio Ambiente”, é baseado na encíclica Centesimus Annus do Papa João Paulo II de 1991. Neste documento eclesial, o beato João Paulo II aborda a necessidade da ecologia humana. Em 2007, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, Bento XVI defendeu que a destruição do meio ambiente, o uso impróprio ou egoísta do mesmo e a apropriação violenta dos recursos da terra são frutos de um conceito desumano de desenvolvimento.

Desde 2005, neste período, as dioceses brasileiras desenvolveram atividades sobre o tema, enfocando o direito à vida e a preservação da dignidade humana.

Em entrevista especial, o arcebispo emérito de Belém, Dom Vicente Joaquim Zico, explica sobre a concepção cristã a cerca da valorização da Vida.

Como os cristãos devem se colocar diante deste tema polêmico? Na concepção da Igreja Católica quando podemos considerar o início da vida?

Dom Vicente Zico – Na concepção da Igreja Católica o início da vida é desde a concepção, na manifestação de uma pessoa que, portanto é digna de todo o respeito e valorização. Para a Igreja já é uma vida que nasce, sendo gerada a partir desse momento.

– Que referências bíblicas nós temos nessa questão da defesa da vida?

Dom Vicente Zico – Primeiro o próprio Criador do homem e da mulher. Uma referência da vida está no pensamento do Criador, que funde o corpo humano e a alma humana. Ele é o Autor da pessoa humana. Em segundo, o próprio Jesus Cristo, um ser divino, que assumiu a carne humana, uma pessoa divina na carne humana. Ele quis manifestar em si mesmo o respeito e grandeza de alguém que nasce como pessoa nesse mundo.

E depois temos o próprio pensamento da Igreja. A Igreja é interprete da palavra de Deus. Desde o Antigo Testamento até o Novo Testamento, temos muitas referências sobre a pessoa humana e valor dela na vida. Temos diversos documentos que falam muito do dom da vida. No tempo de João Paulo II, um documento importante foi transmitido pelo prefeito de Congregação da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, atual Papa Bento XVI. Depois deste documento de João Paulo II, temos uma carta sobre o evangelho da vida. E ele se apresenta como mestre para a Igreja toda, com palavras fortes e humanas.

– O aborto seria então um crime contra a vida?

Dom Vicente Zico – Claramente é um crime contra a vida. Porque o aborto provocado tem a intenção de tirar a vida do nascituro, daquele que tem um destino de vida para se desenvolver até chegar a se manifestar como criança e depois como uma pessoa humana. A pessoa, desde a concepção no ventre da mulher, é digna de todo o respeito. O aborto é um crime enorme contra a vida de alguém indefeso. Ele visa de fato destruir a vida ou impedir de nascer aquele germe dentro do ventre materno. Compete ao padre ensinar que essas coisas não podem ocorrer.

_ Como o senhor vê a tentativa da Câmara dos Deputados de legalizar o aborto, em algumas situações, como por exemplo, quando a vida da mãe e do bebê está em risco?

Dom Vicente Zico – Claro que a Igreja é totalmente contra o aborto, e contra qualquer lei que favoreça o aborto. Portanto a Igreja não aprova. Tudo que é feito para impedir o crescimento do gérmen no ventre maternal é crime, ataque à própria pessoa que está no gérmen. Vai da consciência de cada um. Sabendo que a consequência do aborto é relacionada a um crime contra Deus e os ensinamentos da Igreja.

– Na Semana Nacional pela Vida e do próximo ao dia do Nascituro, dia 8 de outubro, como os cristãos podem promover a defesa da vida?

Dom Vicente Zico – Eu creio que isso torna uma ocasião propícia para falar do nascimento, da vida, na pregação de acordo com as circunstâncias do que estamos vivendo. Seria uma ótima oportunidade, com muita sabedoria, inteligência e fidelidade, para que o pensamento da Igreja mostre para o povo o quanto vale a vida. A ocasião é ótima para se falar do quanto devemos respeitar o nascituro, aquele que já foi germinado como pessoa humana. Mas também valorizar a consciência cristã de muitas pessoas católicas que respeitam os ensinamentos da Igreja e louvar as famílias que permitiram o nascimento de suas crianças.

Primeiro quero me dirigir às famílias cristãs, dotadas de uma consciência do valor do matrimônio, e do valor da vida no matrimônio cristão. Eu gostaria nessa oportunidade que as pessoas valorizassem a vida. E que o povo manifeste a esperança de que o mundo cristão reflita sobre o respeito que se deve dar á vida. E felicitar aquelas que já têm um amadurecimento do valor da vida. Por último abraçar todas as crianças que já nasceram e estão por todo o mundo, perto de nós.

Fonte: Jornal Voz de Nazaré – Belém do Pará – (Edição nº 477, de 23 a 29/09/2011)