Este é o 26º ano em que as pastorais sociais ligadas à CNBB promovem o Grito dos Excluídos. Ele acontece em muitos países do continente latino-americano no dia 12 de outubro. No Brasil tem sido sempre realizado na data em que comemoramos a independência. Tradicionalmente, a independência é celebrada com desfile militar das forças armadas que se mostram prontas a defender qualquer agressão externa que o país possa sofrer. O Grito dos Excluídos vem mostrar que a independência do país somente será legítima quando todos os brasileiros/as forem efetivamente livres e tiverem acesso à cidadania.
Infelizmente, o Brasil é o terceiro país do mundo em desigualdade social e a atual pandemia veio agravar ainda mais esta realidade. Pesquisas sociais revelam que até o final deste ano, é muito provável que 44 milhões estejam desempregados e vivendo em situação de dependência social e insegurança alimentar. Esta edição do Grito dos Excluídos chega em boa hora, para defender a preservação da vida e se opor a um modo de pensar a vida que aumente as desigualdades e injustiças.
Neste ano, o lema será: Basta de miséria, preconceito e repressão! Queremos trabalho, terra, teto e participação! Conforme a coordenação nacional do Grito, o lema se impôs ao observar a crise social e sanitária agravada pela pandemia mundial. Dom Mário Antônio da Silva, bispo de Roraima e segundo vice-presidente da CNBB assim afirma em recente artigo: “Tem gente que não coloca a vida em primeiro lugar. É triste quando se coloca em primeiro lugar o lucro, a ganância. Além disso, hoje também tem muita gente colocando em primeiro lugar o preconceito, a violência, a tirania. É preciso servir, valorizar e defender a vida. Nesse tempo de pandemia, de morte, a vida precisa retornar ao seu lugar. O grito é esperança” (…) “Quem são os que gritam hoje? Não são apenas vozes. Têm rostos. De encarcerados, povo em situação de rua, comunidades tradicionais, povos indígenas, periferias, trabalhadores em serviços precarizados, ciganos, migrantes, circenses. Gritamos porque tem vozes sendo abafadas, oprimidas”.
Na Mata Sul de Pernambuco, enorme quantidade de famílias de lavradores que vivem em várias comunidades rurais, tem sofrido uma série de violências. Apesar de viverem ali há mais de 70 anos, estão ameaçadas de expulsão de suas terras. Recentemente, atendendo convite da Diocese de Palmares onde estão localizadas, tivemos oportunidade de visitar uma delas, a comunidade de Fervedouro, distrito de Jaqueira, e escutar emocionantes relatos que incluem até ameaças de morte. A situação é preocupantee urge medida de desapropriação da parte do governo, que garanta a vida no campo de pessoas que amam e sobrevivem da terra. Também nesse final de agosto completou um ano do grave problemado derramamento de óleo no litoral brasileiro, especialmente no Nordeste, considerado o maior acidente ecológico do país. Em Pernambuco, foram 13 os municípios atingidos e cerca de 11.600 pescadores/as e marisqueiros/as sofreram as graves consequências sociais e econômicas, logo agravadas pela Covid-19. Até o presente momento, não tivemos uma explicação oficial do caso.
Para nós, cristãos, tanto fiéis como pastores, o Grito dos Excluídos é ocasião de testemunharmos o amor de Deus pelos pequeninos e humilhados. Desde os tempos de Jesus, as categorias de excluídos, tidos como “desaparecidos” sociais, eram as viúvas, órfãos, migrantes e estrangeiros. Jesus revelou a preferência divina por estes que o Evangelho chama de “pequeninos e objetos da predileção de Deus”. Ele as tomou como companhia privilegiada em seus contatos e refeições. E afirmou: “Quem acolhe uma pessoa destas é a mim que acolhe” (Mt. 25,31ss).
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife