Por dom Genival Saraiva, bispo emérito de Palmares e vigário geral da Arquidiocese de Olinda e Recife

agua2A falta de água tem uma repercussão muito grande na vida das pessoas, das comunidades, dos rebanhos e da agricultura. Apesar de ser um problema histórico na Região Nordeste, nunca foi resolvido, por razões conhecidas – interesse de grupos políticos e econômicos, inconsistência das políticas públicas e acomodação da população. No momento, a sociedade brasileira está se dando conta, de uma forma mais atenta, do que representa o preocupante problema da estiagem que atinge a Região Sudeste do país; as razões para esse olhar coletivo sobre a escassez hídrica no Sudeste são evidentes: a localização, a população atingida, a consequência social e econômica. O Sudeste é o epicentro da economia nacional, porque lá estão sediados os grandes aglomerados da indústria, do comércio e dos serviços. A população, além de muito numerosa, está concentrada em metrópoles e cidades de grande, médio e pequeno porte. As consequências sociais são visíveis aos olhos das pessoas e das lentes da mídia; os efeitos econômicos têm seu registro na contabilidade das empresas e no custo de vida da população. Nesse sentido, a repercussão da estiagem, pelos seus múltiplos efeitos, vai além dos limites geográficos dos Estados afetados, passando a ter uma dimensão nacional. Na verdade, esse fenômeno é novo para a população dessa Região porque, nessa matéria, quem vive no Nordeste conhece essa experiência de sofrimento crônico.

A CNBB colocou o problema da água no centro de uma discussão coletiva, em muitos plenários da sociedade brasileira, em algumas Campanhas da Fraternidade. Assim o fez em 2004 – “Fraternidade e água”. Fundamentada em estudos climáticos e em dados estatísticos, a CF mostrou que a humanidade está diante de um “bem finito”, um bem que pode acabar, devido ao “uso múltiplo das águas.” Nenhum desses usos – irrigação, industrialização, produção energética e outros -, pode ter primazia sobre sua “destinação universal.” Em qualquer circunstância ou situação, a água é um elemento indispensável à vida. “Nenhum outro uso da água, nenhum interesse de ordem política, de mercado e de poder, pode se sobrepor às leis básicas da vida.” Na CF de 2007, com o tema “Fraternidade e Amazônia”, trouxe essa importante informação sobre a Amazônia: “Está lá também cerca de 10% de toda a água doce do planeta, espalhada em rios, lagos, igarapés.” A propósito do uso da água alertou: “A privatização das águas já começou, e um descuido a mais pode significar que só terão acesso a elas os que tiverem dinheiro!” A CNBB retoma esse tema, na CF de 2011, “Fraternidade e a Vida no Planeta”; citando uma resolução da ONU, considera a água e o saneamento básico como “direitos humanos essenciais.” Ao tratar da gestão dos “bens hídricos”, chama a atenção para a necessidade da participação de todos, sendo “indispensável a revisão dos usos da água doce e dos desperdícios, colocando no centro o direito humano, de todos os animais e da própria terra.” Por certo, a população dos Estados da Região Sudeste, atingidos pela estiagem, faria hoje uma leitura diferente dessas Campanhas da Fraternidade, precisamente, por estar agora diante de uma experiência de efetiva falta de água.

A solução desse problema, necessariamente, exige a adoção de medidas adequadas. Isso começa por um processo de mentalização das pessoas em relação à compreensão do valor da água, um bem essencial; na mesma linha, há a necessidade de uma mudança no comportamento das famílias, das instituições sociais e das administrações públicas, no que diz respeito a esse bem finito, do contrário o seu desperdício e o seu uso indiscriminado agravarão o estado atual da insuficiência ou falta de água em muitos países. Diante de uma situação de fato – o desperdício da água, nenhum governo pode ser cúmplice, nenhuma empresa pode ser omissa, nenhuma pessoa pode ser neutra.