No calendário litúrgico das Igrejas ortodoxas, desde 1989, Dimitrios I, então patriarca ecumênico, propôs um dia de oração e cuidado com a Criação a ser sempre celebrado no dia 1º de setembro. Há cinco anos, o papa Francisco assumiu para a Igreja Católica a mesma intuição e propõe que do dia 1º de setembro até o 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, seja considerado o Tempo de oração e cuidado com a Criação. A proposta do papa é que incorporemos uma espiritualidade ecológica como ele descreve na encíclica sobre o cuidado com a criação Laudato si, publicada no Pentecostes de 2015. Em cinco anos, o mundo sofreu diversas mudanças e a crise ecológica ainda se agravou mais. Muitos cientistas suspeitam que a própria pandemia tem profunda relação com a destruição do planeta. Por isso, no domingo 25 de maio deste ano, o papa propôs que, agora, cinco anos depois e à luz do que estamos vivendo neste tempo de pandemia, pudéssemos reler a Laudato si e tentar aplica-la à nossa realidade.
Daqui a poucos dias (15 de setembro) se abrirá em Nova York mais uma assembleia geral da ONU e o papa decidiu que, mesmo sem sair de Roma, falará à toda assembleia reunida. Ele insiste em pedir à humanidade um novo modo de relação com a natureza. Especialmente aos cristãos, pede que procuremos integrar de forma mais profunda nossa espiritualidade ao cuidado ecológico. Na encíclica, o papa afirma: “A espiritualidade cristã constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humanidade”(Laudato si, 216).
A CNBB prepara algum material litúrgico para ser usado em celebrações e orações sobre o cuidado com a Criação. Ainda não temos um modelo litúrgico pronto para orações durante este tempo, mas podemos reproduzir e usar as duas belas orações com as quais o papa conclui a sua encíclica (L.S n. 246). Elas podem ser recitadas alternativamente pela comunidade no final de nossas celebrações dominicais e mesmo diariamente. Assim, nossa Igreja local se colocará mais profundamente em sintonia com o pedido do papa Francisco.
Se as comunidades souberem, podem juntar a isso o cântico das Criaturas, seja na versão da Bíblia (Dan 3), seja na adaptação feliz que São Francisco de Assis fez ao compor o seu Cântico ao irmão Sol, do qual temos várias formas de cantar nas comunidades, como “Louvado sejas, meu Senhor…” e também o muito conhecido “Onipotente e bom Senhor…”, cantado pelas comunidades no Brasil inteiro.
É importante criarmos verdadeiramente uma sensibilidade nova que una nossa forma de expressar a fé e a nossa devoção ao cuidado com a terra, a água e toda a natureza. E isso deverá se expressar principalmente na eucaristia, que o papa chama de “centro vital do universo” e explica: “Mesmo quando a celebração tem lugar no pequeno altar de uma igreja de aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo”(L.S. 236).
Com essa convicção, convido os irmãos padres e todos os irmãos e irmãs das comunidades que compõem nossa arquidiocese a nos inserirmos nesse amor cósmico ao qual o papa Francisco nos convida como dom divino para toda a humanidade. E como o papa ensina, a ecologia ambiental tem de incluir a ecologia social. Sem justiça sócio-econômica, não pode haver verdadeiro e fecundo cuidado com a natureza. O Sínodo da Amazônia insistiu que a Ecologia Integral faz parte do próprio núcleo da missão da Igreja. No século III, Santo Irineu de Lyon afirmava: “A glória de Deus é a vida do ser humano”. Mas, o salmo 19 já estende este louvor não somente aos humanos mas a todo o universo: “Os céus narram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos”.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife