Neste ano de 2021, nós celebramos o 50º aniversário do mês da Bíblia, iniciado na arquidiocese de Belo Horizonte em setembro de 1971. Na Bíblia, o cinquentenário é sempre um ano de Jubileu. Isso significa tempo de bênçãos e de novas graças. Neste 2021, isso já se reflete no fato de que o tema escolhido para este mês da Bíblia tenha sido a Carta aos Gálatas, um texto lindo e muito provocador para a nossa realidade atual. E o lema escolhido é tirado do hino batismal que ocupa o centro da Carta aos Gálatas: “Pois, todos vós sois UM só em Cristo Jesus” (Gl 3, 28).
Na Carta aos Gálatas, escrita entre os anos 57 e 58 da era cristã, o apóstolo Paulo toma posição e procura solucionar certo conflito surgido dentro das comunidades da região onde hoje fica a Turquia. É uma oposição entre as pessoas apegadas à lei judaica e que exigiam uma forma de viver a fé mais tradicionalista e presa aos preceitos da lei e uma minoria que compreendia a fé como liberdade interior e inserção no mundo. Paulo se pronuncia claramente chamando todos e todas ao evangelho de Jesus. Diz claramente: O evangelho é um só. Não existem dois ou vários. É a boa notícia do reino de Deus e o chamado ao seguimento de Jesus que nos une a todos e todas em uma só comunhão para além das barreiras de raças, culturas ou mesmo modos diferentes de viver a fé.
O lema deste Mês da Bíblia 2021 é: “Pois todos vós sois UM só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d). Essa pequena citação da carta é tirada de um poema, talvez musicado que as comunidades cristãs usavam e que, hoje, os estudiosos conhecem como “Hino Batismal” (Gl 3, 26- 28). Desse hino, Paulo tomou esses versos: “Se somos de Cristo, pelo batismo, não há mais diferenças entre quem é judeu e quem é grego. Não pode haver diferença entre quem é escravo e quem é livre e nem discriminação entre homem e mulher. Todos somos Um só em Cristo”.
Queridos irmãos e irmãs, não podemos ler essas palavras tão fortes do Cristianismo primitivo e não pensarmos nos conflitos que hoje vivemos em nossa Igreja. Também nos dias atuais, em nossa arquidiocese e em todas as comunidades, temos irmãos que desejam uma Igreja mais presa às tradições. Também temos entre nós, outros/as que buscam inserir mais a profecia do Evangelho no mundo atual e, principalmente, a serviço dos mais pobres e vulneráveis, como os evangelhos mostram que Jesus defendeu, não só da opressão da sociedade civil, mas também do próprio rigor da lei religiosa.
Essa tensão dentro da Igreja, entre pessoas e mesmo grupos de tendências e correntes diversas sempre existiu. Desde o começo do Cristianismo, as Igrejas sempre foram abertas à diversidade e mesmo às posições divergentes. Isso não é em si algo negativo, se uns aceitam aprender com os outros. Como afirmava Santo Agostinho, o importante é manter “a unidade no essencial, a liberdade nas coisas que são acidentais e, principalmente, a caridade em tudo”.
Neste conflito interno, o apóstolo Paulo não ficou neutro, nem se colocou em cima do muro. Tomou posição por uma Igreja aberta e em saída, como propõe o papa Francisco, mas respeitou a diversidade. Não proibiu que os cristãos de cultura judaica obedecerem às normas do Judaísmo, mas insistiu que eles não tinham direito de exigir isso dos outros. A carta aos gálatas é um chamado à liberdade. A fé em Cristo é força libertadora “Foi para que sejamos livres que Cristo nos libertou” (Gl 5).
A proposta desse mês da Bíblia é que as comunidades possam ler esses textos e buscar pelo diálogo a superação de tudo o que nos divide para que possamos ser uma só unidade em Jesus Cristo. Que esse mês seja fecundo e através de todas as iniciativas que pudermos fazer, os irmãos e irmãs possam se sentir mais firmes em seu caminho de fé e com mais força espiritual para enfrentar a dureza dos dias atuais. Como conclui Paulo a sua carta é como gostaria de concluir essa breve reflexão: “O importante é sermos uma nova criatura”. (…) “Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito. Amém” (Gl 6, 18).
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife