O arcebispo emérito da Arquidiocese de Olinda e Recife (PE), dom Fernando Saburido foi agraciado com a medalha Dom Helder Camara de Direitos Humanos. A homenagem da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Pernambuco (OAB-PE) foi realizada na última quinta-feira (29), durante o encerramento da II Semana de Direitos Humanos Dom Helder Camara promovida pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
A solenidade foi prestigiada pelo atual arcebispo da Igreja pernambucana e segundo vice-presidente da CNBB, dom Paulo Jackson. Em seu discurso de agradecimento, dom Fernando saudou o sucessor e outras autoridades presentes, e lembrou a missão de dom Helder.
“Muito cedo, dom Helder compreendeu que a vocação cristã e a missão da Igreja não é apenas religiosa e sim de vida. Junto com todos os irmãos e irmãs da humanidade, somos chamados a transformar esse mundo”, afirmou.
Dom Fernando esteve à frente a Arquidiocese de Olinda e Recife de 2009 a 2023 e durante esse período conduziu iniciativas de promoção aos direitos humanos. Entre as boas obras do arcebispo estão a implantação de unidades da Fazenda da Esperança e a Casa do Pão, além da promoção de inúmeras campanhas de ajuda aos mais vulneráveis.
“Recebo humildemente a honrosa medalha dom Helder Camara. Não se trata de deferência à minha pessoa, mas ao conjunto de inumeráveis irmãos e irmãs que estiveram comigo durante os 14 anos em que estive à frente dessa amada Igreja de Olinda e Recife. Na verdade, isto só me serve de estímulo para continuar firme, enquanto força tiver, na luta contra toda e qualquer desigualdade, em vista da prática da justiça e do bem comum”, disse dom Fernando.
Confira a íntegra do discurso de dom Fernando Saburido:
“O nosso Pai deu ao ser humano o poder e a responsabilidade de não se conformar com o sofrimento e a dor inocente, mas combatê-los. Essa é a nossa tarefa” (Dom Hélder Câmara)
Prezados irmãos e irmãs:
Conforme esclarecimento do digníssimo, presidente da OAB – dr. Fernando Jardim Ribeiro Lins, as medalhas: Dom Hélder Câmara de Direitos Humanos e a Medalha do Mérito de Direitos Humanos Mércia Albuquerque, seriam entregues no dia 18 de dezembro de 2023, dentro da Semana comemorativa da oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU. Devido, porém, ao grave problema de saúde que, na ocasião, enfrentava nossa querida amiga – dra. Nair Andrade, e no desejo de que a mesma participasse do evento, foi decidido o adiamento que, somente hoje, foi conveniente se realizar. Infelizmente, a dra Nair veio a falecer no último 09 de janeiro e, como pessoa de fé que era, desfruta agora da glória de Deus.
Rendamos, portanto, nossa homenagem póstuma à essa grande mulher, por tudo o que fez e representa para o mundo jurídico em nosso Estado de Pernambuco. Foi a primeira mulher a ocupar um cargo na diretoria da OAB, sendo secretária-geral de 1971 a 1973, durante a gestão do então presidente dr. Joaquim Correia de Carvalho Júnior. A dra. Nair, como católica convicta, tinha grande paixão pelas causas sociais, apoiou projetos voltados para crianças e adolescentes de comunidades carentes, utilizando a música como ferramenta de transformação social. Foi importante colaboradora do grande desembargador Nildo Nery dos Santos (ex-presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco), fundador da Associação Beneficente Criança Cidadã, permanecendo na presidência de 2003 a 2017, quando passou o comando para a arquiteta Myrna Targino, até então diretora financeira da Orquestra Criança Cidadã, formada basicamente por crianças pobres do COQUE em Recife. Atualmente, a instituição é dirigida, com eficiência, pelo seu esposo, o juiz João Targino que, por duas vezes, com o apoio da Obra de Maria, levou a orquestra para uma apresentação no Vaticano, na presença do Papa Francisco.
Nos primeiros anos da ABCC fui convidado pela dra. Nair para visitar esses projetos sociais. Assim a conheci e nos tornamos grandes amigos.
Com o adiamento do evento, vejo duas felizes coincidências: primeiro, que a entrega esteja acontecendo nessa Universidade Católica de Pernambuco, instituição parceira da Arquidiocese de Olinda e Recife e que muito respeito. Depois, durante a III Semana dom Hélder Câmara de Direitos Humanos, promovida pela UNICAP, e no ano em que celebramos o jubileu de 25 anos da sua partida para a Casa do Pai.
O que é ser padre para Dom Hélder? Foi a pergunta, publicada no livro ‘Dom Hélder, misticismo e santidade’, que lhe fez o autor Marcos Castro, em 1978. Assim respondeu o Dom: “Como eu agradeço o fato de Deus me chamar para ficar a serviço d’Ele, servindo ao próximo, servindo aos meus irmãos! A razão de ser do padre é dar-se, é doar-se, é servir. A essência do padre é isso. Claro que antes de tudo é servir a Deus. Mas a melhor maneira de servir a Deus é servir ao próximo”. Perguntou então o autor: o que é que se pode fazer para tornar Deus mais Deus? Dom Hélder assim respondeu: “Aos irmãos, podemos realmente ajudar. Sobretudo nos nossos tempos, quando há tanta injustiça, tanta opressão. O amor ao próximo, a grande caridade, e caridade é amor, é ajudar a fazer justiça.” E concluiu: “Depois, por uma nova escolha de Deus, vem uma nova graça, sem nenhum merecimento. É a escolha para o episcopado, que é o sacerdócio ministerial na sua plenitude. Não se trata absolutamente de mais prestígio, mas da obrigação de servir de modo ainda mais absoluto, mais total. É a doação total. É Deus pedindo mais a quem mais graças Ele deu, pois Deus ama igualmente a todos os seus filhos, mas não foi tão burocrata a ponto de dividir seus dons de maneira rigorosa e monotonamente igual, sem nenhum mérito do que recebe, mas por exclusiva escolha Sua. Ele deu mais, desse também cobrará mais.”
Jamais passou pela minha cabeça a ideia de que seria um dia sucessor desse grande pastor que me impôs as mãos tornando-me presbítero. Mais ainda, o privilégio de, durante o meu pastoreio, encaminhar o processo de beatificação e canonização, ao Dicastério da Causa dos Santos, deste agora “Servo de Deus”. O “nihil obstat” foi concedido meses depois e tudo caminhou muito rapidamente. Logo concluímos o processo na fase arquidiocesana, e no encerramento do XVIII Congresso Eucarístico Nacional em 2022, tivemos a alegria de anunciar a aprovação da Santa Sé de todo o material enviado e consequentemente a autorização para iniciar a escrita da positio.
Foi, portanto, com muita Justiça que em 28 de agosto de 2023 a Ordem dos Advogados do Brasil – seccional de Pernambuco, através da resolução nº 110/2023, criou a Medalha dom Hélder Câmara de Direitos Humanos, juntamente com a Medalha do Mérito de Direitos Humanos Mércia Albuquerque, “considerando a memorável trajetória de vida de dom Hélder, enquanto defensor dos direitos humanos, com destaque no período da ditadura militar no Brasil, além da luta constante pela erradicação da fome”, conforme justifica o decreto.
Muito cedo, Dom Helder compreendeu que a vocação cristã e a missão da Igreja não é apenas religiosa e sim de vida. Junto com todos os irmãos e irmãs da humanidade, somos chamados a transformar esse mundo. Na década de 50, Dom Hélder dizia aos cristãos que, antes de ser religioso, ou ministro desta ou daquela religião, toda pessoa é cidadã do mundo. Um elemento fundamental desta cidadania é o senso de mundialidade pelo qual pensamos, não visando a nossa cidade ou mesmo nosso país. Devemos sempre pensar em toda a humanidade e visando o bem de todo o cosmos. Daí a expansão da mensagem de dom Hélder que ultrapassava os limites regionais e nacionais.
No seu livro “Mil razões para viver”, escreve: “Seja qual for sua condição de vida, pense em si e nos seus, mas torne-se incapaz de fechar-se no círculo estreito de sua pequena família. Adote de vez a família humana… Que nenhum problema de nenhum povo lhe seja indiferente. Vibre com as alegrias e esperanças de qualquer grupo humano. Adote como seus os sofrimentos e humilhações de seus irmãos de humanidade”.
Recordo aqui a dimensão social e política da espiritualidade com uma palavra que foi dita por outro bispo profeta, amigo de Dom Hélder, o cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão. Em uma vigília em sua catedral, o arcebispo afirmava: “Quero lhes falar de uma coisa particularmente terrível, um mal obscuro e difícil até de nomear, talvez porque também difícil de reconhecer, como um vírus latente, entretanto onipresente. Poderemos chamá-lo de “acedia pública” ou “acedia política”. É o contrário daquilo que a tradição clássica grega, como no Novo Testamento, chama de “parresia”, liberdade de chamar as coisas pelo próprio nome. Trata-se de uma neutralidade apática, do medo de avaliar objetivamente as propostas conforme critérios éticos. A consequência disso é o decair da sapiencialidade política”.
Aqui no Brasil, não podemos aceitar que, por omissão ou por erro nosso, isto é, omissão ou erro de todas as pessoas que têm responsabilidade pública, essa apatia do povo com relação à política venha a ocorrer ou se manifestar mais profundamente do que já aparece.
A honrosa medalha dom Hélder Câmara de Direitos Humanos, que humildemente recebo hoje, entendo que não se trata de deferência à minha pessoa, mas ao conjunto de inumeráveis irmãos e irmãs e, dentre eles, aquele que hoje, merecidamente, recebe a Medalha do Mérito de Direitos Humanos Mércia Albuquerque – dr. Marcelo Santa Cruz, integrante da Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz – que, lado a lado, estiveram comigo durante os 14 anos em que estive à frente dessa amada Igreja de Olinda e Recife, hoje conduzida, com grande zelo, pelo meu querido sucessor e amigo – dom Paulo Jackson.
Meu muito obrigado sincero ao presidente da OAB dr. Fernando Jardim e a todos e todas que aprovaram a indicação do meu nome para essa “honraria”. Na verdade, isto só me serve de estímulo para continuar firme, enquanto força tiver, na luta contra toda e qualquer desigualdade, em vista da prática da justiça e do bem comum. Obrigado também a todos e todas que aqui se fazem presentes.
Fonte: CNBB NE2