POR MARCELO BARROS*

domhNo domingo, 03 de maio, através de uma celebração eucarística, Dom Fernando Saburido e a arquidiocese de Olinda e Recife celebram a abertura do processo de canonização de Dom Helder Camara. É bom compreendermos do que se trata, para que e como se realiza a canonização de um santo na Igreja Católica Romana. Conforme a fé cristã, todas as pessoas batizadas são santificadas pela graça divina. Toda pessoa humana é imagem e chamada a ser semelhante a Deus. Então, vivos e falecidos, somos todos santos e santas, não por virtudes que possamos ter, mas pela ação do Espírito Divino em nós. Isso deve ficar claro: o papa ou a Igreja não tornam ninguém santo. Deus é que santifica todos os seus filhos e filhas, espalhados pelo mundo, pelos quais Jesus deu a vida (Jo 11, 52).

início, o povo cristão sempre teve o costume de venerar algumas figuras especiais de irmãos e irmãs falecidos, cujo testemunho de vida pode animar o povo no caminho da fé. Assim, chamaram de santos os apóstolos, mártires e pessoas que viveram exemplarmente a fé. Nos primeiros séculos, os santos canonizados eram reconhecidos por aclamação popular. A partir da Idade Média, surgiu o processo de canonização. Chama-se assim porque se trata de colocar uma pessoa no cânon (lista) dos santos e santas, reconhecidos pela Igreja, como exemplo para todos. Na Igreja Católica, o processo de canonização é conduzido pelo papa. Nas Igrejas Ortodoxas, também os patriarcas, com seus sínodos, proclamam pessoas como santas exemplares (canonizadas). No ano 2000, a Igreja Anglicana colocou no pórtico da Catedral de Westminster em Londres, figuras de cristãos que os anglicanos consideram santos e santas, mesmo sendo de outras Igrejas. Assim, antes do Vaticano se definir por reconhecer Dom Oscar Romero como santo, o papa Bento XVI visitou Londres em 2010. Ao passar pelo pórtico da Catedral anglicana, passou pela estátua de Dom Romero, já reconhecido como santo pelos anglicanos.

O objetivo da canonização é estimular todas as pessoas a percorrerem o mesmo caminho de santidade. O processo de canonização analisa a vida e a obra do santo/a em questão. Até agora, se pede o reconhecimento de ao menos três milagres, operados por Deus, através da sua intercessão. Hoje, a noção de milagres deve ser revista. Atualmente, a ciência tem uma visão bem mais ampla de cura. Também a própria Igreja mudou a forma de compreender as virtudes e exemplos de santidade. Já houve épocas em que o modelo dominante de santidade era de santos e santas que mortificavam o corpo, quase não comiam, ou viviam como se fosse fora do mundo real. Por isso, alguns critérios do processo de canonização precisam ser revistos e modificados à luz do Evangelho.

Dom Helder nem precisaria de canonização. Ele ainda vivia entre nós e o povo já o aclamava “dom de Deus”. No entanto, se a hierarquia da Igreja Católica quer reconhecê-lo como santo, Deus queira que seja para que todos nós nos comprometamos a seguir seu exemplo. Ele viveu a fé cristã, de modo profundamente humano e humanizado. Foi alguém que fazia questão de ser totalmente inserido no mundo. Assim, assim, soube ser pastor dos seus irmãos.

O processo de canonização de Dom Helder não deve afastá-lo de nós. Tratá-lo como uma pessoa muito boa e santa, mas que viveu em outros tempos e que, hoje, nada mais tem a nos dizer seria mumificá-lo no altar. Se aceitássemos canonizá-lo desse modo, estaríamos caindo no pecado que Jesus censurou nos religiosos do seu tempo: “matam os profetas e depois constroem para eles belos túmulos” (Lc 11, 47- 48).

A canonização que, hoje, Dom Helder merece consiste principalmente em ver toda a arquidiocese de Olinda e Recife, a querida Igreja da qual ele foi pastor, seguir verdadeiramente os seus passos proféticos no caminho do evangelho. Atualmente, nosso pastor é Dom Fernando Saburido, homem movido pelo Evangelho, que se coloca como irmão, na missão de confirmar os irmãos na fé. Dom Helder foi o bispo que, no Concílio Vaticano II, mais lutou para que as Igrejas locais fossem reconhecidas não apenas como “pedaço de Igreja” ou como filiais da matriz romana, mas tivessem seu estatuto eclesial plenamente reconhecido e com direito de viver uma verdadeira inculturação, nos campos da liturgia, da pastoral e da forma de expressar a fé (Ver Sacrossantum Concilium 40 e 41, textos propostos por ele e aprovados pelo Concílio).

O que atualmente, no céu, Dom Helder mais gostaria de ver na terra é toda a Igreja universal seguir as propostas de renovação eclesial feitas pelo papa Francisco, na linha que já, ele, Dom Helder ensaiava. Certamente, os obstáculos existem, mas, como diz a carta aos hebreus: “Cercados por tantas testemunhas, libertemo-nos dos obstáculos e corramos na direção do Cristo” (Hb 12, 1).

*Marcelo Barros é monge beneditino