Por Expedito Miguel do Nascimento, S.J.*

De certa feita fazia os Exercícios Espirituais inacianos de 30 dias em Itaici, quando estivera de passagem por lá Dom Pedro Casaldáliga.  Convidado a dar uma palavrinha aos retirantes ele pronunciou uma frase que jamais esqueci:  “nossas pastorais necessitam de Espiritualidade” . O termo raramente usado não é de compreensão unívoca. Por vezes, entre os leigos, está ligada tanto ao Espiritismo quanto a um certo devocionismo individualista. Seu genuíno significado teológico, cristológico e pneumatológico, nos dicionários de espiritualidade, consiste no crescimento das virtudes teologais – “Senhor, aumenta a nossa Fé”,  já suplicavam os apóstolos. A verdadeira Espiritualidade – a vida do Espírito Santo em nós com seus dons e frutos – é ao mesmo tempo pessoal e comunitária. O próprio Documento de Aparecida (DA) detém-se, não poucas vezes, neste termo. Sem definí-lo tenta a atualizá-lo numa dimensão eclesial de discipulado e de missão.  Ajuda-nos nesse crescimento a experiência mais do que necessária de uma espiritualidade litúrgica, no sentido de vivenciar, como discípulos missionários do Cristo, as grandes etapas do ano litúrgico. Por exemplo, neste tempo do Advento em que somos convidados, mais uma vez,  a preparar a sua vinda.

1) Preparar a vinda do Senhor por uma maior conversão à verdadeira ORAÇÃO COM A PALAVRA DE DEUS. “Cristo veio revelar ao homem o mistério do homem”, a verdade sobre o ser humano, disse João Paulo II na Redemptor Hominis. E porque ser homem significa viver intensamente essa relação com o Pai é que Ele rezava tanto: “…retirou-se a uma montanha para rezar e passou ali toda a noite em oração a Deus” (Lc 6,12). E a oração de Jesus era, sobretudo, escuta da Voz do Pai. Cabe aqui uma atitude avaliativa: tenho crescido, com pastor ou pastoralista, neste diálogo diário que consiste, antes de tudo, na escuta da Palavra de Deus – como “amante da Palavra” (DA 292), conforme nos propõe a liturgia diária? Aqui não bastam a Liturgia das Horas, o Terço, outras orações ou mesmo a própria celebração eucarística. É preciso –diz o Documento –  “…alimentar-se com o Pão da Palavra … a alma da própria evangelização…”(n. 248), concretamente, recomendando a Lectio Divina (n. 249). Tenho me alimentado desta Palavra ao menos por dois quartos de hora do meu dia? Só assim cresceremos na vocação que o Senhor nos faz de sermos, como pastores ou pastoralistas, seus discípulos e missionários.

2) Preparar a vinda do Senhor por uma maior conversão a uma mais vivida CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA. Esta requer, obviamente, uma preparação pessoal e comunitária não só no que a compõe externamente ( às vezes impossível pela movimentação dos organizadores e músicos)  mas sobretudo interiormente.  A encíclica Ecclesia de Eucharistia – mais do que um documento curialista romano  – é uma meditação da experiência eucarística de João Paulo II na qual lembra pontos essenciais. Deve, diz ele, despertar no ministro e na comunidade celebrante um verdadeiro “enlevo”. A palavra enlevo, citada 4 vezes, conduz à “contemplação do rosto do Cristo Eucarístico”, gerando  antes de tudo, comunhão com Ele. Esta se faz pela máxima atenção às leituras da Palavra, pelo discreto acompanhamento dos cantos e instrumentos musicais, pelos instantes de silêncio meditativo.  A participação e manducação eucarísticas postulam um verbo importante, ou seja, eucaristizar-se, cristificar-se – “quem comer minha carne viverá por Mim” (Jo 6,57) – o que levou o apóstolo Paulo a exclamar “já não sou eu quem vive, mas o Cristo que vive em Mim”. Esta comunhão com Ele, porém, leva à comunhão fraterna, já que a Ele e seu Corpo Místico são indissociáveis.  Isto leva-nos a avaliar-nos: “meu grupo, minha pastoral, está em unidade com os demais”?

3) Preparar a vinda do Senhor por uma maior conversão á renovação do ARDOR MISSIONARIO.

A Assembléia de Aparecida insiste numa “espiritualidade de comunhão” em vista de um maior ardor missionário.  Segundo esta é preciso formar o discípulo numa “espiritualidade missionária”, pois quem faz opção pelo Cristo o faz igualmente por sua causa que é o amor ao  Reino de Deus. “Discipulado e missão – disse Bento XVI – são como as duas faces da mesma moeda; quando o discípulo está apaixonado por Cristo não pode deixar de anunciar ao mundo que só Ele salva” (DA 146).

A espiritualidade do Advento nos conclama, pois, a revisarmos também como anda este ardor pelo anúncio do Reino de Deus, que é o ardor do próprio coração de Cristo, o enviado do Pai: “Eu vim trazer fogo á terra e como gostaria que já estivesse aceso” (Lc 12,49). Que Maria, a Mãe da Igreja, que com seu silêncio contemplativo é a grande missionária de seu Filho –  pois ela O deu e continua dando-O ao mundo – ajude-nos a bem preparar mais um Advento e mais um Santo Natal.


*Pe. Expedito é Vigário da Paróquia de Nª Sª dos Remédios