Queridos irmãos e irmãs,
Deus nos dá a graça de participar, mais uma vez, deste encontro anual, na manhã desta Quinta-feira Santa, dia em que celebramos a Instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial. Somos convidados a nos colocar diante do Senhor da vida e rever a maneira como estamos vivendo a imensa graça do ministério que recebemos, apesar de nossa indignidade. Vocacionados ao serviço da Igreja, meditemos com atenção o que a Palavra da Salvação nos fala, particularmente nessa celebração e durante todo tríduo pascal que iniciaremos hoje à tarde.
“Hoje se cumpre esta Palavra da Escritura que acabaste de ouvir” (Lc 4,21b). Foi o último versículo que escutamos no evangelho, único conteúdo que o evangelista Lucas guardou do primeiro discurso público de Jesus. E no evangelho de Lucas, este primeiro discurso de Jesus é uma homilia litúrgica, feita na sinagoga, como comentário para atualizar a palavra do profeta Isaías no capítulo 61, texto que lemos como 1ª leitura desta celebração.
De acordo com este evangelho, o único comentário que Jesus fez do texto bíblico foi proclamar que isso que Deus revelara como sendo seu projeto se cumpre plenamente através da sua palavra e da sua missão salvadora e que é assim que ele, Jesus, vive a experiência mística de se deixar possuir e guiar pelo Espírito: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me ungiu para anunciar a boa notícia aos pobres…”.
Que maravilha pensar que, em Pentecostes os apóstolos receberam o Espírito para realizar a missão de anunciar a Boa Nova no mundo inteiro. Também Jesus tem o seu Pentecostes e recebe o Espírito não para ficar em uma espiritualidade intimista e devocional, como às vezes, somos até hoje tentados a viver a experiência do Espírito. Jesus, quanto mais cheio do Espírito, mais ungido e consagrado, mais se sente enviado diretamente aos mais empobrecidos e para anunciar a Boa Notícia da plena libertação: a libertação das doenças, das prisões do mundo, libertação das dívidas sociais, mas principalmente, libertação da raiz de todos esses males que é o pecado, o egoísmo e o desamor. Como seria importante que todos nós, ministros e fieis, pudéssemos hoje nos deixar penetrar desse mesmo espírito de Jesus e nos sentirmos enviados ao mundo para anunciar por nosso testemunho e nossas vidas o projeto divino, do Reino de Deus para este mundo.
Deus nos livre de pensar a fé desligada da vida concreta e dos seus desafios. Deus nos livre de testemunhar um Deus que não seja este de Jesus: o Pai de amor que como diz este evangelho, realiza, hoje, as suas promessas e dá ao mundo de hoje a graça de viver esta nova Páscoa que a partir deste Quinta-feira Santa, vamos celebrar.
Na sua mensagem para a abertura da Quaresma deste ano, o papa Francisco tomou como tema: A Quaresma como caminho sinagogal. Partindo do evangelho da transfiguração, convidou todos nós a subirmos a montanha da Páscoa com Jesus para participar daquela reunião íntima de Jesus com os três discípulos mais próximos e podermos de novo escutar hoje a voz do Pai que nos diz: escutai-o.
De fato, se a Quaresma é caminho de conversão, sem dúvida a mais concreta conversão que Deus pede de nós hoje é sermos capazes de sinodalidade. Isso significa nos dispor a caminhar juntos e não caminhar cada qual do seu jeito e por sua conta. Assim como Jesus se sentiu impregnado do Espírito e se deixou conduzir pela força do Espírito, que entremos nesse impulso. Possamos escutar o que o Espírito diz, hoje, às Igrejas e aceitemos escutar e obedecer à voz do Espírito, como Igreja, e não apenas cada um pela sua própria cabeça. Ele, Jesus, como diz o livro do Apocalipse do qual tomamos a segunda leitura: “fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai”. Esta expressão “reino de sacerdotes” é tirada do livro do Êxodo no capítulo 19,6 quando no Monte Sinai, Deus reúne o povo hebreu, libertado da escravidão do Egito, para formar uma aliança nova. Nesta assembleia, todos serão reis porque recebem de Deus a dignidade de filhos e filhas e sacerdotes porque todos podem viver a intimidade com Deus sem necessidade de intermediários. Na Igreja sinodal, nós recebemos a ordenação ministerial para testemunhar que todas as pessoas batizadas formam um “povo sacerdotal”, devem ser reconhecidas como tal e devem viver este sacerdócio na mediação entre Deus e todas as criaturas da terra.
Neste ano, a Campanha da Fraternidade nos faz escutar de novo a palavra de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Ela se refere ao ministério da compaixão que Jesus viveu a encher-se de dó por ver o povo pobre abandonado como ovelhas sem pastor (Mc 6, 34). Mas, hoje, nós também podemos aqui escutar essa mesma palavra como se referindo ao alimento pascal. Como nunca, o nosso mundo precisa de uma nova Páscoa. Nossas comunidades precisam receber este alimento de uma Páscoa nova, marcada pela sinodalidade, ou seja, pela nossa disposição de dialogar, de nos abrir ao novo de Deus no mundo e a sermos testemunhas de que o Espírito de Deus engravida no mundo uma Páscoa nova de esperança de um mundo novo possível. Que sejamos testemunhas desta Páscoa e ela seja para nós uma festa de reconciliação, de paz e de amorosidade sem fim.
Conforme recente relatório da Organização das Nações Unidas sobre segurança alimentar, na América Latina, a fome alcançou um patamar que não se via há décadas. De acordo com a ONU, a América Latina foi a região na qual mais cresceu o número de pessoas em situação de insegurança alimentar. Em nosso país, depois de vários anos em que tínhamos conseguido amenizar essa tragédia, o Brasil voltou ao mapa da fome. A fome chega a ameaçar algo em torno de 33 milhões de brasileiros (cf. texto-base da CF-2023). Essa realidade não é consequência direta da crise que se abateu sobre o mundo com a pandemia. A pandemia a agravou, mas ela já vinha de antes e tem mais a ver com decisões políticas que fizeram mais do que duplicar a desigualdade social em nosso país.
O texto do Apocalipse recorda-nos que Deus fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai. A comunidade cristã é a força positiva que, junto com o Cordeiro, vence os poderes opressores que se instalam na história. Ele fez de nós sacerdotes para Deus, seu Pai. Os cristãos participam do único sacerdócio de Cristo, que consiste em instaurar o Reino de Deus na história. Não importam nossos limites e infidelidades, importa sim, a disposição de nos levantarmos e recomeçar, contando com a força de Deus.
Que o nosso SIM às respostas da renovação das promessas sacerdotais que faremos em seguida não seja vazio, mas parta do mais íntimo dos nossos corações e nos recorde o momento solene em que, na nossa ordenação, fomos questionados pelo bispo e respondemos, com convicção e alegria PROMETO. Em tempo tão difícil, somos chamados a viver a experiência da dor na solidariedade sem nunca perder a profecia e o propósito de anunciar a esperança.
O conceito de sacerdócio implica o de consagração, cujo sinal exterior é a unção com o óleo santo. Por isso, a Igreja continua a consagrar o óleo que servirá para assinalar a fronte dos seus filhos e filhas. Conforme a tradição, nesta Missa, consagraremos o Santo Crisma para significar o dom do Espírito Santo no Batismo, na Confirmação e na Ordem. Abençoaremos também o óleo para os Catecúmenos e os Enfermos, sinais da força que liberta do mal e sustenta na provação da doença. Estes santos óleos, distribuídos para todas as nossas paróquias e comunidades, utilizados até a Páscoa do próximo ano, seja apresentado à comunidade paroquial na Celebração da Ceia do Senhor, conforme o rito proposto, como sinal de unidade e fonte de bênçãos, para todos os que com eles forem ungidos.
Participemos agora, do rito de renovação das promessas sacerdotais. Junte-se, especialmente, a mim todos os nossos irmãos bispos e presbíteros. Também nossos diáconos, religiosos/as, e o povo de Deus, aqui presente ou sintonizado conosco. Na condição de ministros ordenados e povo sacerdotal, expressemos nosso propósito de unidade e disposição de continuar firmes na fé e no anúncio do Evangelho.
Concluo, desejando desde já a todos vocês, frutuosas celebrações pascais, em suas respectivas paróquias e comunidades. Celebrações estas que terão como ponto culminante a proclamação da Páscoa do Senhor. Que a Ressurreição de Jesus, Sua vitória sobre a morte, nos sirva de sinal de esperança, na certeza de que dias melhores virão.
Parabéns aos nossos presbíteros pelo dia do padre e, para todos/as, uma feliz e santa Páscoa.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife.