Por Pe. Héctor M. Ruiz*
“Que a religião esteja, tão longe como for possível, limitada ao privado e não na arena pública!” auspiciava Christina Patterson no jornal inglês “Independent” poço antes da chegada do Papa Bento XVI a Inglaterra. Mas não só ela. Outros muitos jornalistas aproveitaram a visita papal para lançar ataques contra a Igreja, renovando a tendência liberal inglesa de ver na religião uma inimiga do estado e da sociedade. Polly Toynbee num outro jornal, o “Guardian” acusava os líderes religiosos de “estar envenenando a sociedade com as suas idéias prejudiciais sobre o sexo e a morte”. Dizia que as instituições religiosas “mostram uma tendência à crueldade e à hipocrisia”.
As raízes deste anti-clericalismo vem de muito longe. Foram pegando força, sobretudo na fecunda terra do racionalismo e da reação político-social nos tempos do Papa-Rei no “Quattro cento” e na Renascênça. O problema tem sido que estes racionalistas, questionando tudo, não chegaram nunca a uma satisfatória relação entre ciência e razão, e, como conseqüência: entre sociedade civil (estado) e sociedade espiritual (Igreja). Um racionalismo que chegaria à sua máxima expressão no materialismo ateu de Feuerbach e na aplicação deste ateísmo aos sistemas marxistas-leninistas em todos os países comunistas. A religião chegou a ser “ópio do povo”.
Mas este ateísmo não foi uma coisa só dos países comunistas. Foi expressão de todos os governos e sociedade civis, que deixaram prevalecer desmedidamente o materialismo, tirando de foco o homem completo com a sua dimensão espiritual e ficando só com o conceito de “homem-peça”. Peça de uma sociedade deste mundo e para este mundo. Nesse contexto a Igreja ficou fora.
O conceito “laico”, que por si mesmo indica simplesmente uma coisa diferente do religioso, chegou a tomar uma conotação de “contrário ao religioso” e “ateu”, uma conotação de “em guerra contra a religião”. A legítima separação Igreja-Estado, chegou a ser uma luta “Estado contra Igreja”. Segundo os protagonistas, este laicismo tem que estabelecer um estado laico, mas, com a conotação de “ateu”: Retirar crucifixos de lugares públicos (não importa que se atropele a cultura milenária de um povo); Reduzir o fato religioso a nível de vida privada; Suprimir aulas de religião nas escolas… E, tal vez, no futuro deverá decretar, até, a supressão de entidades religiosas ou a proibição de reuniões de caráter religioso…, como já acontece, de fato, em alguns países.
É a hora da “inquisição laica”, do dogmatismo laico… hora do medo à religião… Tudo isso apoiado em que coisa? Em que “nós” (consenso social) estamos de acordo.
Mas quem são esses “Nós”? Os legisladores, os políticos, os que estariam representando o povo… Já não é a natureza das coisas e, principalmente, a natureza do homem (que, no caso que estamos tratando, é um ser religioso, espiritual, que vem de Deus e vai para Deus, com determinados direitos que nascem da sua condição de “ser espiritual” e dessa dignidade de filho de Deus…), já não é essa natureza que vai determinar o que é moralmente bom… Agora o fundamento de toda lei é “o parecer de alguns”. É a hora do relativismo, do subjetivismo, do reducionismo filosófico e moral. É a HORA DO HOMEM. A promessa satânica Chegou: “Sereis como deuses, versados no bem e no mal” (Gen 3,5)! Deus e a Igreja não tem nada a dizer! E com o mesmo critério de que somos “nós” os que determinamos o bem e o mal, nós também amordaçamos a Igreja e a dimensão transcendente do homem.
Bento XVI no mesmo parlamento em que São Thomas More foi “amordaçado” (julgado e condenado; e nele, os princípios do homem religioso e da Igreja), falou aos Ingleses, dizendo que assim como eles se orgulham de ser uma “democracia pluralista que valoriza enormemente a liberdade de expressão, a liberdade de afiliação política… e do profundo sentido dos direitos e deveres individuais e da igualdade de todos os cidadãos perante a lei”, deveriam entender que tudo isso se mantém não simplesmente pelo mero “consenso social”, mas são necessários princípios de uma ética sólida. Uma ética de normas objetivas “acessíveis á razão, prescindindo do conteúdo da revelação”.
O Papa dizia que não era para ter medo da religião, porque “o papel dela não é proporcionar tales normas”, nem “propor soluções políticas concretas”. Mas sim é para reconhecer e aproveitar o papel da religião neste processo democrático. Este papel seria o de “ajudar e iluminar a aplicação da razão à descoberta de princípios morais objetivos”. “O mundo da razão e o mundo da fé precisam um do outro e não deveriam ter medo de estabelecer um diálogo profundo e contínuo, pelo bem da nossa civilização”.
Então, por que guerra do Estado contra a Igreja? Por que a “crescente marginalização da religião, especialmente do cristianismo” ? perguntava o Papa.
Porque não se entende ainda a posição firme da Igreja na defesa da Lei natural, como base e fundamento de toda decisão ética. Independentemente que o laicismo não entenda que a Revelação confirma e dá solidez ao raciocínio natural, em matérias como o aborto, casamentos homossexuais, manipulação de embriões… a Igreja tem uma luz e uma coerência lógica naturais. Não impõe uma doutrina revelada. E, por outro lado, tem direito a se manifestar. Por que amordaçá-la? Por que com a simples desculpa de “isso é religião!” mandam a Igreja ao banco de reserva?
O problema de fundo não é a Igreja, nem a fé da Igreja. O problema para eles é a Lei natural. Querem estar acima até da mesma natureza. (É o fato do dogmatismo laico): “Quem dá os critérios do bem o do mal somos nós”. “Não existe Lei natural alguma que esteja acima de nós”. É a hora do “Sereis como Deuses”. A hora do Homem-deus. É a construção da torre de Babel, (que certamente terminará com o desentendimento entre todos).
Guerra da Igreja contra o estado? Não! A Igreja ilumina, serve, orienta… se integra e tende a mão ao Estado. Guerra do Estado contra a Igreja? Sim, em muitos casos. Sobre tudo aí onde o laicismo com as suas incoerências e falácias vai impondo as suas regras. Por isso, poderíamos concluir: Laicidade, sim; laicismo, não! Colaboração, sim; guerra, não! Homem espiritual, sim; homem-peça, não!; ética objetiva, sim; subjetivismo do consenso social, não!
*Pe. Héctor Ruiz é Pároco de São Lourenço da Mata e presidente da Comissão Arquidiocesana de Pastoral para a Doutrina da Fé