O capítulo 18 de Mateus tem merecido ultimamente grande destaque por parte dos exegetas, que em geral, o classificam como o discurso eclesiástico de Jesus. Efetivamente, Mateus é o único evangelista que fala de “Igreja” (cf. Mt. 16, 18; 18, 17). Alguns estudiosos descobriram neste capítulo as sete dimensões essenciais da Igreja sonhada pelo próprio Jesus. “Para os leitores que lutam com problemas da Igreja, hoje, este pode ser o mais útil discurso de Jesus… A legislação que, no correr dos séculos, a Igreja assumiria para organizar-se no mundo, encontro neste capítulo seu sólido e puríssimo núcleo imaginário” (Raymond E. Brown).

Procurarei apenas apontar as ditas dimensões, sem me estender nos comentários.

1. A conversão radical: “Em verdade, Eu vos digo que, se não vos converterdes e vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus” (Mt. 18, 3).

Na realidade, “se alguém está em Cristo, é uma nova criatura” (2Cor 5, 17).

2. A remoção dos escândalos: “Ai do mundo por causa dos escândalos! É necessário que haja escândalos, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem” (Mt 18, 7). O escândalo é a tentativa satânica de destruir a obra de Cristo.

3. A dimensão missionária: a Igreja de Jesus é essencialmente missionária, e isto ao ponto de o pastor ser capaz de deixar noventa e nove ovelhas nos montes e ir ao encontro de uma única ovelha extraviada: “E se consegue achá-la, em verdade vos digo, terá maior alegria com ela do que com as noventa e nove que não se extraviaram… Porque não é da vontade do Pai, que está nos céus, que um desses pequeninos se perca” (Mt 18, 12 -14).

4. A correção fraterna: esta é descrita em Mt 18, 15-17 com uma precisão de fórmulas de tipo jurídico, que retrata com certeza a prática da comunidade primitiva. “Se o teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós. Se ele te ouvir ganhaste o teu irmão. Se não te ouvir, porém, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda questão seja decidida pela palavra de duas ou três testemunhas. Caso não lher der ouvido, dize-o à Igreja. Se nem mesmo à Igreja der ouvido, trata-o como o gentio ou o publicano”.

5. A hierarquia: “Tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 18, 18). O poder das chaves, conferido a Pedro em Mt 16, 19, é conferido agora ao colégio apostólico como um todo.

6. A oração em comum: Os versículos 19-20 constituem o cerne não somente do discurso eclesiástico, como de todo o Evangelho de Mateus. Quando Jesus afirma que “onde dois ou três estiverem reunidos, em meu nome, ali estou eu no meio deles”, está realmente definindo a Igreja que deseja edificar. Esta, consequentemente, não depende do número de seus membros. Basta a comunidade mínima (dois ou três), desde que esteja reunida em seu nome e com Ele no meio.

7. A dimensão do perdão: Por ser comunidade, a Igreja é um contínuo encontro de pessoas, com seus temperamento, seus problemas, seus defeitos. Sempre haverá atritos, desencontros, ofensas. Nesse quadro realista nasce o problema de Pedro: “Senhor, quantas vezes devo perdoas ao irmão que pecar contra mim? Até sete vezes?” A resposta de Jesus foi incisiva: “Não te digo até sete, mas até setenta vezes sete” (Mt 18, 21-22)! O perdão é a grande prova do amor; se ele vier a faltar, faltará também o amor. E onde falta o amor, Deus aí não está. Então, não haverá Igreja.

Frei Geraldo de Araújo Lima, O.Carm.
membro da Comissão Arquidiocesana de Pastoral
para a Doutrina da Fé