Nesta época do ano em que o litoral do Nordeste corre o risco de sofrer novas inundações, grande parte do Brasil vive, ao contrário, a estação da seca. A Região Sul é visitada por ondas de frio e o Centro-oeste sofre a falta de umidade. Neste tempo, o cuidado com a natureza e a prevenção contra as queimadas se tornam ainda mais importantes e urgentes. As festas juninas e celebrações andinas, que se encerraram com o final de junho, comemoram a vitória do sol e da vida sobre o frio e a morte. Muitas pessoas que, neste mês, aproveitam alguns dias de férias desejam que o tempo seja favorável. É também para que a estação nos seja propícia que grupos indígenas, em Minas e em outras partes do Brasil, fazem rituais de cura da Mãe Terra.
As Igrejas despertam para a responsabilidade ecológica. Na Igreja Católica, a Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema o cuidado com a criação. A teologia cristã nunca negou a bondade das coisas criadas e a presença amorosa do Espírito em todo o universo. Mas, por motivos culturais, acabou se concentrando mais na história do pecado humano e da redenção realizada pelo Cristo. Hoje, nenhum cristão nega a centralidade da morte e ressurreição de Jesus para a fé bíblica, mas procura ligar todas as coisas. Não podemos ver a redenção como se fosse desligada da criação e da presença divina atuante no universo. Paulo escreve que “onde o pecado abundou, a graça divina foi ainda mais transbordante” (Rm 5, 20). A desordem humana, presente na história, não diminui a beleza e a energia amorosa da vida, bênção divina para todo o universo. Mattew Fox, teólogo norte-americano, traduz assim o início do evangelho de João: “No princípio de tudo, existia a Energia Criadora. Esta Energia criadora comunicada por Deus como uma Palavra viva (o Verbo) era divina. Por meio dela, todas as coisas foram criadas e nada existe sem esta energia amorosa. (…) Ela (a Palavra que criou tudo) se tornou carne e no meio de nós plantou sua tenda. Nela nós vimos a presença divina, glória que é sua, como Filha única do Criador, cheia de graça e verdade” (no livro In principio era la gioia, pp. 19- 20). Apóstolos como João e Paulo nos falam que esta Palavra, energia amorosa, teve como máxima expressão a pessoa de Jesus Cristo que assume todo o universo em sua pessoa e se manifesta como presença divina em toda criatura.
Nos evangelhos, Jesus se refere à criação quando fala no reino de Deus. A natureza é o primeiro elemento do reinado divino no mundo. Afirmar que Deus é rei é lembrar que é como uma mãe que gera todas as criaturas e o seu amor governa a ordem cósmica. Por isso, Jesus disse: “Olhem os pássaros do céu. Olhem os lírios do campo. Deus cuida deles. Não vai cuidar de vocês?” (Mt 6 e Lc 12). E, aos pobres, confirma: “vosso é o reino divino” (Lc 6, 20). Isso significa que todo ser humano tem uma dignidade de rei neste mundo. Mestre Eckhart, místico medieval, ensinava: “Todo ser humano é de sangue real. Nasceu das profundezas mais íntimas da natureza divina e é representante de Deus para espalhar amor e assim recriar permanentemente toda criação divina”.
Muitas vezes, a humanidade compreendeu a dignidade do ser humano como supremacia sobre os outros seres e direito de dominar e explorar a natureza em seu proveito. Ao contrário, Deus nos fez jardineiros e gerentes da sua criação, para agirmos como ele age conosco e manifestarmos que todo ser vivo é obra de um amor eterno que atua permanentemente como energia de vida e de bênçãos. Esta revelação de que Deus é energia de amor que, permanentemente, enche de amor e bênção todo o universo está na liturgia da Igreja. Em cada eucaristia, os cristãos cantam: “a terra está cheia da vossa glória”.
Esta bênção divina restaura a cada dia a natureza, nos faz sentir parte desta criação divina, unidos a todos os seres vivos, receptores permanentes da bênção divina que nos alegra, consola e fortalece na caminhada da vida. Quem crê em Jesus Cristo o encontra nesta inserção no universo. Ele se manifesta como o Cristo cósmico que leva à plenitude a criação, até que, como diz São Paulo, “Deus seja tudo em todos”.
Marcelo Barros
é monge beneditino e membro da Comissão Arquidiocesana
de Pastoral para o Ecumenismo