O próprio termo Natal significa nascimento e, portanto, vida nova. O comércio faz das festas natalinas uma incessante repetição das mesmas músicas, mesmos tipos de ornamentação e até os mesmos artigos de consumo. Ao contrário, a festa cristã do Natal não deve ser apenas a repetição de outros natais que já vivemos e sim celebração de uma nova e atual visita divina à humanidade. O Natal não é aniversário do nascimento de Jesus, visto que ninguém sabe o dia em que ele nasceu. Os cristãos antigos transformaram a festa do solstício do inverno na festa do natal para testemunhar que, através de Jesus, o próprio Deus veio assumir nossa história e trazer ao mundo o seu projeto de paz, justiça e amor.
O Natal tomou uma dimensão maior do que a celebração cristã. Mesmo entre pessoas não religiosas ou de outras tradições, essa festa é ocasião de unidade. Nessa época, as famílias se reencontram. As mães e pais têm alegria de preparar a casa para receber os filhos que, nesses dias, voltam ao aconchego familiar. Na fé, a celebração do Natal tem este mesmo espírito: preparar o coração para acolhermos o mistério de amor (que as religiões chamam de Deus) e que se oferece ao nosso alcance.
Neste Natal, a casa da humanidade está pouco preparada. Uma grave crise de civilização assola o mundo. Em todos os continentes, a pobreza e a injustiça aumentaram. Nas casas, as pessoas enfeitam salas e armam presépios, mas Jesus continua a dizer: “É quando vocês socorrem um pequenino que acolhem a mim” (Mt 25, 31 ss).
Na América Latina, emerge um novo processo social e político. Muitos se negam a crer em qualquer novidade e torcem o nariz procurando defeitos e erros. João escreveu: “nós somos as pessoas que acreditam no amor” (1 Jo 3). Este Natal vem como uma interpelação para que cada pessoa se reveja e responda: “Como você está de utopia?”
O Natal nos chama para revigorarmos em nós a capacidade de crer, esperar e preparar a realização do projeto divino nesse mundo. Esta é a proposta de Jesus. Quando o evangelho nos diz “a palavra se fez carne” (Jo 1, 14), está nos convidando a sermos cada vez mais humanos, como ele, Jesus. Carlos Drummond de Andrade interpretava isso ao dizer que, no Natal, imaginava o verbo outrar que, precisaria ser inventado na língua portuguesa. Uma música cantada pelas comunidades de base no Centro-oeste foi composta por Manelão, lavrador do Pará que, nesses dias, passou à eternidade. Tem como refrão: “Dentro da noite escura, da terra dura do povo meu, nasce uma luz radiante, no peito errante, já amanheceu”.
Marcelo Barros
monge beneditino, teólogo e escritor