Em todo o Brasil, julho é caracterizado por diversas romarias e peregrinações populares. Nestes próximos dias, de todo o Centro-oeste, milhares de romeiros acorrerão ao santuário do Divino Pai Eterno, em Trindade, a 30 km de Goiânia para pagar promessas e viver sua fé. No sertão da Bahia, a cada ano, em julho e agosto, as romarias para o Bom Jesus da Lapa recebem um número maior de fiéis.

No Nordeste, cada ano, em julho, um grupo de peregrinos, cristãos e cristãs de várias Igrejas caminham em peregrinação para orar e para manifestar sua comunhão com o povo empobrecido. Neste mês, este grupo de peregrinos populares vai à região sul de Pernambuco e as cidades de Alagoas, atingidas pelas inundações. Vão orar e manifestar às populações sofridas um testemunho do amor divino.

Em diversas religiões e tradições espirituais, as peregrinações continuam atraindo multidões. Os hinduístas correm às nascentes do rio Ganges. Ao menos uma vez ao ano, uma multidão de muçulmanos se reúne em Meca, na Arábia Saudita. Cristãos peregrinam para Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela e Lourdes. No Brasil, Aparecida do Norte, Pirapora do Bom Jesus, Trindade e Juazeiro do Norte vêem aumentar sempre mais o número de peregrinos. São pessoas de todas as classes sociais e das mais diversas culturas, vindas do campo e das cidades.

Em uma cultura secularizada e crítica, as pessoas podem considerar a peregrinação e outras devoções coletivas como pouco profundas e sem sentido. Alguns círculos espirituais distinguem dois tipos de espiritualidade. A espiritualidade exotérica se chama assim porque é voltada para fora e se compõe de práticas externas como peregrinações, cultos e costumes formais. A este modelo de religião, se costuma contrapor a espiritualidade esotérica, centrada nas meditações e práticas interiores e subjetivas. Uma das críticas, comumente feitas ao Cristianismo, é a de ter desenvolvido mais a dimensão exotérica e insistir menos na contemplação e na centração interior. Sem dúvida, desde os tempos bíblicos, profetas como Jeremias insistiam que “a verdadeira circuncisão é a do coração”. O profeta Oséias repete que Deus não quer cultos ou sacrifícios e sim misericórdia com o próximo. O salmo 51 reafirma que Deus se agrada da conversão do coração e da renovação interior e não de cultos externos. Hoje, por todo o mundo, se espalha a prática da meditação cristã e da oração de Jesus. É a simples repetição do nome de Jesus para aquietar o coração na paz divina.

Seja como for, a espiritualidade esotérica não substitui ou abole a dimensão externa da fé. Esta exerce a função de método para nos ajudar a sair de nós mesmos e viver a intimidade divina não como algo privado e intimista, mas como caminho de comunhão com as outras pessoas que têm a mesma busca. No evangelho, Jesus havia dito: “Onde dois ou três pessoas se reúnem no meu nome, Eu estarei no meio delas” (Mt 18, 18- 20). Rubert Sheldrake, professor e psicólogo inglês, viveu uma experiência profunda. Ainda jovem, deixou a Igreja Metodista e, durante anos, se converteu a um racionalismo crítico que rejeitava qualquer prática religiosa externa. Depois, a partir do contato com várias tradições religiosas e como psicólogo, ele redescobriu a importância de freqüentar Igrejas, repetir cânticos e realizar rituais que ligam a pessoa a uma comunidade de fiéis. Ele começou a sustentar a idéia de que, através destas práticas, se entra em contato com o que Jung chamava de “inconsciente coletivo”. Experimenta-se um progresso interior que não é definido apenas pela razão e sim pelo que ele chama de “ressonância mórfica” (Ver revista Sophia, janeiro 2010, p. 12- 13).

Algumas escolas indianas sempre ensinaram a idéia de “memória cósmica” na qual somos integrados. A busca da intimidade com o divino se realiza em uma dimensão íntima e pessoal que é muito necessária, mas ela se enriquece ao se integrar com uma caminhada coletiva e, assim, ultrapassa a dimensão racional da crença. O povo mais simples vive isso com os pés nas romarias e expressa isso com todo o corpo na liturgia.


Marcelo Barros